O motorista do Senado Federal, José Martinho Ferreira de Araújo, lotado no gabinete do seu primo, senador Wellington Dias (PT), candidato ao governo do estado, disse que vai deixar na mão dos advogados a explicação para a origem dos R$ 180 mil apreendidos em um Pálio Weekend quando a quantia era transportada de Brasília para o interior do Piauí.
Contactado, José Martinho não quis dar detalhes, mas quando perguntado quais a providências que ele estava adotando para esclarecer a origem do dinheiro, disse que a questão estava com “os advogados”. “Isso aí é com os advogados, não é comigo não, é com os advogados. Estão trabalhando para isso”, falou, deixando brecha para novos questionamentos.
Rememorando os fatos, José Martinho Ferreira de Araújo disse que o dinheiro era dele, e que era fruto de sua labuta num comércio de bebidas localizado no Distrito Federal. Ora, se o dinheiro era dele e fruto do seu trabalho honesto no comércio, porque não explicar ele mesmo o que ocorreu, ao invés de deixar exclusivamente na mão de advogados?
Bastaria apresentar os balanços contábeis da empresa, extratos da movimentação bancária e o recolhimento de impostos para comprovar o que falou quando apanhando pelos policiais rodoviários federais, que o dinheiro era dele e que não teria nenhuma relação com caixa dois de campanha eleitoral ou qualquer outro ato de corrupção.
Embora parte da imprensa sustente que sua empresa fatura R$ 200 mil mês, os fatos quando expostos à luz da razão não são tão simples assim. Faturamento não é lucro. E lucro não é sinal de que todo o dinheiro será guardado para demandas outras que não relacionadas às despesas pessoais do dia a dia. Há empresários, e não são poucos, que se confundem com a ideia do que realmente é lucro.
“EU NÃO VOU FALAR NADA SOBRE ISSO”
A busca por Martinho começou com uma ligação para a distribuidora que ele disse ser sócio - e que depois mudou para “cotista”. O telefone tocou, foi atendido com o termo “distribuidora”, mas a pessoa do outro lado, uma mulher, disse que não iria falar nada sobre o assunto. “Eu não vou falar nada sobre isso”, sustentou.
“E qual o nome da distribuidora dele?”. “Você é jornalista. Você já sabe. Para que você pergunta? É Distribuidora Martinho”, falou mesmo assim. “E ele está em Brasília ou no Piauí? Como faço para falar com ele?” A interlocutora, que não quis dizer o nome, desligou o telefone e não atendeu mais nenhuma ligação.
A Lei 8,112/90, o Estatuto dos Servidores Públicos da União, proíbe o servidor público efetivo ou comissionado, em seu artigo 117, inciso X, de “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada e de exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”.
Essa proibição existe porque a moralidade administrativa requer a imparcialidade para a gestão da coisa pública e para a busca do interesse público. Sendo assim, o funcionário público não pode ficar comprometido pela prática da atividade de interesse particular em detrimento do interesse coletivo.
Não à toa, o Portal Capital Teresina, novamente ele, que também estava presente no município de Barreiras, na Bahia, modificou matéria já publicada onde dizia que Martinho era “sócio” de uma distribuidora de bebidas, passando a usar a expressão “cotista”. O objetivo era atender às exigências do Estatuto do Servidor Público Federal e não complicar ainda mais o motorista de Wellington Dias. Aqui já havia o auxílio de advogados.
Também em suas primeiras negativas, quando apanhado com os R$ 180 mil, Martinho disse ser “sócio” de uma empresa que comercializava bebidas. O endereço da distribuidora é o mesmo endereço onde reside Martinho no Distrito Federal. A divergência, se existir, foi provocada por ele mesmo, já que esse endereço foi o cedido à Polícia Civil da Bahia quando da apreensão da quantia de R$ 180 mil.
AO TELEFONE COM O SENHOR MARTINHO
O 180 conseguiu então falar com ele em um outro número, um celular, na noite desta terça-feira (16). “Bom Noite. Senhor Martinho?”. “Quem fala?”. “Tudo bem? É Rômulo”. “Fala, Rômulo”. “Senhor Martinho, eu sou jornalista”. “Sim”. Iniciou o diálogo.
Do meio para o fim, ao falar sobre a apreensão dos R$ 180 mil, foi quando Martinho disse que o caso era com os advogados. “É com os advogados, não é comigo não, é com os advogados. Estão trabalhando para isso [resolver este problema]”, falou, querendo encerrar a ligação.
José Martinho disse que não sabe quem lhe deu o dinheiro
A pergunta feita era o que estava fazendo para comprovar que estava falando a verdade. “Estou tranquilissímo, tá bom?”, quis desligar.
Falou ainda que teve que retornar a Brasília, onde está neste momento, mas “quando tudo tiver resolvido eu vou viajar. Primeiro eu vou resolver”. O destino da viagem seria São Miguel do Fidalgo, no Piauí.
Quando indagado sobre quanto tempo levaria para explicar a origem do dinheiro, primeiro disse “eu não sei não”, depois estabeleceu um prazo. “O pessoal está agindo, acho que no máximo até a semana que vem, mas [isso] é o máximo”, finalizou.
COMÉRCIO DE MARTINHO É EM CIDADE PERIFÉRICA
O comércio de bebidas de José Martinho é localizado numa das cidades satélites do Distrito Federal. Apontada por revistas especializadas como um dos lugares onde vale apena investir no ramo imobiliário no DF, Samambaia é uma das cidades da capital do país mais violentas e onde mais existe pobreza. Ter um comércio de bebidas com faturamento de R$ 200 mil por mês é um luxo para poucos.
De qualquer forma, já que José Martinho se diz “tranquilíssimo”, o faturamento da empresa do qual ele é ‘cotista’ deve ter sido apresentado em sua declaração de imposto de renda pessoa física apresentada início do ano à Receita Federal, a menos que tenha sonegado do fisco suas duas fontes de renda. Mas aí é fácil comprovar.
A praxe em órgão públicos federais é o funcionário se responsabilizar por qualquer informação prestada de forma incorreta, enganosa, com o intuito de ludibriar a Receita Federal. O cuidado adotado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal é tamanho, que uma cópia da declaração enviada à Receita Federal fica nas dependências administrativas das respectivas Casas, para que elas também acompanhem a evolução patrimonial de seus funcionários e evite problemas.
Se Martinho for sócio da empresa do qual diz ser, a coisa é pior. Ele estará passível de demissão, segundo o Estatuto do Servidor Público Federal. Seja qual for a explicação a ser dada pelos “advogados” todos esses fatores estão sendo levados em consideração. Afinal de contas, onde os estragos serão menores após adotada a linha de defesa?
Depois disso é sustentar a argumentação e torcer para que não existam fatos novos. Algo difícil de não ocorrer em um acontecimento com tantas vertentes, muitos nomes e rastros que podem ser detectados.
O Banco Central, por exemplo, rastreias as movimentações financeiras acima de R$ 10 mil reais. Para ser seu, Martinho teria que ter uma conta no Bradesco do DF - de onde provavelmente saiu esse dinheiro - atrelada à sua empresa, ou a alguém próxima a ele, como sua mulher.
Sua conta pessoal, como recebe do Senado, ou é pertencente à Caixa Econômica Federal ou ao Banco do Brasil.
SUSPEITA DE NEPOTISMO NO SENADO FEDERAL
Há ainda uma questão que não foi levantada. Em tese, o senhor José Martinho Ferreira de Araújo vai de encontro à súmula editada pela mais alta Corte do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte, buscando por fim à nefasta prática do nepotismo, tão combatida em outros tempos pelo PT, determinou que parentes, a menos que concursados, não podem configurar numa relação de chefia e subordinação dentro de um órgão público. A relação vai ao parentesco de até terceiro grau. Portanto, a menos que a ligação entre W. Dias e Martinho seja de quarto grau, eles estariam imunes das sanções previstas.
“A nomeação de conjugue, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou e confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola Constituição Federal”, diz a Súmula número 13 do STF.
FÉRIAS TERMINAM TRÊS DIAS APÓS AS ELEIÇÕES
Os trinta dias de férias solicitados pelo motorista do senador Wellington Dias (PT), candidato ao governo do estado, terminam três dias após a votação do 1º turno, que pelo calendário da Justiça Eleitoral é 5 de outubro. O Boletim Administrativo do Senado do dia 21 de agosto publicou o pedido de férias de José Martinho Ferreira de Araújo deferido pela Casa e programado para o dia 8 de setembro.
Três dias depois do início das férias ele foi pego com a quantia de R$ 180 mil, valor ainda de origem desconhecida. As férias do motorista flagrado com a estranha quantia em dinheiro vivo são referentes ainda ao ano de 2013. Martinho, como muitos outros funcionários, não possuía a regalia de dispensa de ponto. Essa deferência é concedida a poucos funcionários e precisa da chancela do senador responsável pelo respectivo gabinete, no caso Wellington Dias.
E AÍ?
De qualquer forma, se Martinho ainda quiser curtir suas férias no Piauí, que terminam próximo dia 8 de outubro, é bom correr e explicar logo a origem desse dinheiro. Caso contrário, um bom tempo como esse em São Miguel do Fidalgo ocorrerá somente em outra viagem como essa, daqui a um ano, e de preferência sem dinheiro debaixo do banco traseiro do veículo.
fonte 180graus.com