O Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM-PI) decidiu denunciar à Corregedoria de Justiça do Estado e ao Conselho Nacional de Justiça o juiz de Direito Deoclécio Sousa, que determinou a prisão de dois médicos plantonistas do Hospital de Urgência de Teresina (HUT) e do Hospital Getúlio Vargas (HGV), por não terem conseguido disponibilizar, de imediato, leitos de UTI para dois pacientes, por falta de vagas.
A decisão do CRM-PI foi tomada na noite de quarta-feira (9), durante reunião extraordinária do conselho deliberativo da entidade, com a presença dos médicos ameaçados de prisão, de representantes da Ordem dos Advogados Seccional Piauí (OAB-PI), e do diretor do HUT, Gilberto Albuquerque.
Além da denúncia ao CNJ, outro encaminhamento da reunião no CRM foi a aproximação do Conselho com a OAB e o Poder Judiciário, com o intuito de promover o "melhor entendimento das funções, deveres e direitos dos médicos".
Por meio de nota, o CRM afirma que as ordens de prisão configuram "abuso de autoridade" do juiz, que sequer tinha conhecimento das condições de trabalho dos médicos que estavam de plantão.
"Para os conselheiros do CRM, os médicos Clériston Silva Moura, que estava de plantão no HUT, e Mario Primo da Silva Filho, este que respondia por uma das UTIs no HGV, na segunda-feira, tiveram seus direitos cerceados, sofreram constrangimento, foram coagidos, intimidados e humilhados, além de terem sido ameaçados de prisão, com a presença de policiais armados, enquanto exerciam seu ofício. O Conselho considera que o juiz desconhecia a realidade de funcionamento sobre demandas de leitos em UTIs para pacientes em estado grave e, ao determinar prisões dos médicos, cometeu abuso de autoridade. Os médicos acima citados só não foram presos porque surgiram vagas nas UTIs e os pacientes foram internados", diz a nota.
Outro lado
Em entrevista a O DIA, o juiz Deoclécio Sousa disse que "os médicos estão fazendo tempestade em copo d'água", pois ele apenas deferiu os pedidos apresentados pelas famílias dos pacientes que se encontravam em Estado grave, e necessitavam com urgência da internação em leitos de terapia intensiva.
O magistrado acrescenta que a Justiça não age por conta própria, mas apenas quando acionada, no "estrito cumprimento do dever". Nos dois casos em questão, o juiz afirma que só determinou as prisões dos médicos após ter sido provocado pela Defensoria Pública, por solicitação das famílias dos pacientes que precisavam ser internados nos leitos de UTI.
"Naquele dia saí de madrugada porque fui acionado. O próprio CNJ determina que os tribunais tenham plantões para atender os cidadãos a qualquer hora. Saúde é um direito de todos e um dever do Estado, como determina a Constituição. O Judiciário seria irresponsável se não garantisse esse preceito. Eu repudio esse tipo de atitude [do CRM] e estou pronto para me defender. Nossa associação dos magistrados piauienses deve se pronunciar", afirma o juiz.
Amapi se manifesta
Na tarde desta quinta-feira (9), a Associação dos Magistrados Piauienses (Amapi) lançou uma nota por meio da qual se manifesta sobre a internação de pacientes na rede pública de saúde de Teresina sob ordem judicial.
Além de ressaltar o dever constitucional do Estado de assegurar um serviço de saúde de qualidade à população, a entidade explica como é o trâmite para que o magistrado profira sua decisão.
De acordo com a Amapi, nos casos de risco de morte dos pacientes, o juiz deve determinar as medidas necessárias para que seja assegurado seu atendimento médico eficaz, inclusive a transferência para um hospital da rede particular, às custas do poder público.
Leia a íntegra da nota:
A Associação dos Magistrados Piauienses (AMAPI), entidade que congrega todos os magistrados do estado do Piauí, acerca de decisões judiciais que determinam a internação de pacientes, presta os seguintes esclarecimentos:
Inicialmente, é importante salientar que o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 prescreve que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
Complementando, o artigo 197 diz que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
Portanto, a saúde e/ou sua recuperação devem ser asseguradas de forma igualitária para todos os cidadãos, sendo uma obrigatoriedade do Poder Público.
Em relação ao episódio recentemente veiculado na imprensa local, cabe assinalar que toda e qualquer decisão judicial que envolva internação de pacientes é provocada por cidadãos que necessitam do serviço de forma emergencial e que buscam a justiça exatamente porque não foram atendidos, na via administrativa, pela rede pública de saúde.
As decisões judiciais para internação de pacientes são baseadas em laudos médicos que atestam a indispensabilidade da internação, sob pena do risco de morte e, na hipótese de inexistência de leito no sistema público de saúde, como consta na sob comento, em regra prescrevem sucessivamente o uso da rede privada, às custas do Poder Público.
Já recebidas reclamações de juízes que observaram o descumprimento dos mandados de internação, para garantir a eficácia de sua decisão, o juiz deve lançar mão das providências necessárias, não apenas para fins de resguardar a autoridade da ordem judicial, mas, sobretudo, para proteger a vida do paciente.
Atenciosamente,
Associação dos Magistrados Piauienses - AMAPI.
fonte portal o dia