Contratos idênticos em Porto e Lagoa do Piauí envolvem sócio já investigado pelo TCE-PI
Lagoa do Piauí acordou silenciosa no dia 6 de março de 2025. Nenhum alarde, nenhum anúncio público, nenhuma solenidade de assinatura. Mas naquele dia, algo muito simbólico — e possivelmente muito grave — se deu nos bastidores da prefeitura, administrada pela prefeita Camila Barbosa (PT): um contrato de mais de R$ 1 milhão foi firmado com uma empresa que, até dois meses antes, não existia, foi o que revelamos ontem.
Mas não foi só Lagoa envolvida em relações suspeitas com a mesma empresa e no mesmo dia, Porto, atualmente sob gestão de Aluizio Vaz (PT), outra cidade do Piauí, também mantém relações estreitas.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
O queijo e o rato
O nome da empresa: Resíduos Ambiental LTDA. Data de nascimento? 11 de dezembro de 2024. Menos de 2 meses antes de ser presenteada com um contrato robusto de limpeza urbana em Lagoa do Piauí e que exigia, pasme, experiência prévia comprovada na execução de serviços complexos junto ao poder público.
A exigência não era protocolar. Estava ali, estampada no edital e no projeto básico: a contratada deveria comprovar capacidade técnico-operacional, apresentar atestados de serviços semelhantes já prestados, indicar profissional com Certidão de Acervo Técnico (CAT) e detalhar veículos e equipamentos próprios.
A Resíduos Ambiental, aberta às pressas em dezembro, entrou na disputa em fevereiro e venceu em março.
Coincidência? Pode ser
Mas o que parecia um caso isolado começa a desenhar um padrão. No mesmo dia 6 de março de 2025 — mesmo dia —, outra prefeitura, em outra cidade do Piauí e a mais de 200 quiosques dali, também comandada por um prefeito petista, Aluizio Vaz, em Porto, firmava contrato com a mesma empresa.
Valor? R$ 2.129.347,68. Objeto? Idêntico, a limpeza pública, capina, coleta de resíduos e caiação de meio-fio. Tudo igual, até as vírgulas.

E mais uma vez, vencendo uma concorrência que exigia robusta experiência comprovada. Dois contratos, duas cidades, uma empresa de dois meses.
Foi nesse momento que um alerta acendeu: a Resíduos Ambiental poderia não ser um caso de sucesso empresarial relâmpago, mas a ponta de um esquema bem mais amplo.

Era a rota do lixo e dos milhões.
O CNPJ que brilha no lixo… e na festa
À primeira vista, a Resíduos Ambiental parece uma empresa focada em limpeza urbana. Mas um mergulho no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica revela outro detalhe curioso: o nome Henrique Veloso Alves, sócio da empresa, também aparece na composição societária de outra firma, a Brazil86 Produção e Eventos LTDA.

A Brazil86 não trabalha com capina, mas com festas. E é uma veterana em contratos com o Governo do Estado do Piauí. Sem licitação, é claro.

Apenas em 2025, já faturou R$ 7,6 milhões, sendo contratada com base na inexigibilidade de licitação, a famigerada brecha que permite a escolha direta sob justificativa de “notória especialização”.
Entre os eventos que caíram no colo da Brazil86, estão o Festival Piripiri Humor e Arte (R$ 1,18 milhão), o Carnaval de Floriano e o Carnaval de São Raimundo Nonato.

Tudo pago com dinheiro público.
E em Piripiri, a prefeita é Jôve Oliveira, também do PT.
Duas empresas, um sócio em comum, três prefeituras petistas, contratos milionários firmados no mesmo mês e alguns no mesmo dia.
Coincidências começam a se empilhar em cima de coincidências. E a pilha cheira mal.
O TCE-PI já sabe e investiga
No relatório de auditoria emitido pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI) sobre os contratos da Brazil86 com a CENDFOL (Coordenadoria de Enfrentamento às Drogas) aparecem questionamentos sérios.
O principal deles é a justificativa de inexigibilidade. Os técnicos do Tribunal identificaram ausência de comprovação de notória especialização, repetição de beneficiários e vínculo pessoal entre fornecedores e contratantes.

Henrique Veloso está listado como um dos alvos da auditoria. E a Resíduos Ambiental, agora, entra naturalmente no radar: não só por sua origem relâmpago e contratos simultâneos, mas por repetir um modus operandi já conhecido.
A diferença é que agora o lixo não esconde mais. Ele revela.
O silêncio que consente
Nos dois contratos analisados pela reportagem, tanto em Lagoa do Piauí quanto em Porto, há outro detalhe intrigante: a única empresa que ofereceu valor menor foi desclassificada. Justamente a que poderia derrotar a Resíduos Ambiental no preço.

Outras concorrentes, dezenas, diga-se, apresentaram valores quase idênticos. Algumas iguais até nos centavos. Aparentemente, não foi só o lixo que foi varrido. A concorrência também.

A sujeira da empresa de limpeza
Duas cidades pequenas, dois contratos idênticos, uma empresa recém-criada, um sócio investigado, e milhões fluindo com impressionante rapidez. O que está em jogo aqui não é apenas a legalidade de uma licitação, mas a sanidade do uso do dinheiro público, especialmente em municípios com orçamentos modestos e altos índices de pobreza.
Se os órgãos de controle não se pronunciarem, a população terá que seguir pagando — com impostos e com silêncio — por contratos que, na melhor das hipóteses, nasceram de uma cadeia improvável de coincidências. Na pior das hipóteses, de um esquema profissional de fachada.
E tudo começou com uma vassoura.
Fonte: Portal AZ