Recurso de cartório pagava academia, Herbalife e carro da diretoria
Inspeção apura a ausência de R$ 500 mil no caixa das serventias, além de prejuízos à administração pública que ultrapassam a ordem de R$ 2 milhões
A inspeção determinada pela Presidência do Tribunal de Justiça nos Cartórios do 2º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Teresina e do 8º Ofício de Registro de Imóveis de Teresina constatou indícios de irregularidades na gestão de Rayonne Queiroz Costa Lobo como tabeliã interina, que já foi afastada pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Piauí desde o dia 5 de julho, após a concretização do relatório do Fermojupi.
A inspeção consistiu na análise sintética, contábil e jurídica das prestações de contas apresentadas pela tabeliã interina das citadas serventias, no período de novembro de 2016 a maio de 2017. O objetivo era apontar medidas de proteção aos cofres públicos, em respeito aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade.
De acordo com a inspeção financeira realizada pelo TJ-PI, foram apreendidas três cadernetas em posse da então diretora financeira contratada por Rayonne Queiroz, onde há anotações de diversos saques em espécie do caixa do cartório. Os valores eram identificados como: R$ 1 mil, academia; R$ 280, Herbalife; R$ 1 mil, camisolas; R$ 80, vestido; R$ 2,884,81, parcela de financiamento de veículo.
Em seu depoimento, a diretora financeira declarou que tais quantias seriam adiantamento de salário, porém os descontos não constam na folha de pagamento informada ao TJ. O nome da diretora financeira não foi divulgado, mas o Tribunal garantiu que todas as supostas irregularidades foram cometidas pela diretoria interina das serventias inspecionadas.
A mesma diretora financeira teria confessado, de acordo com informações do TJ, a subtração da quantia de R$ 7,6 mil do cartório. O objetivo seria retirar R$ 10 mil, mas devido à inspeção, grupo que administrava o cartório tentou devolver o que já havia sido retirado.
Encontra-se em fase de conclusão o relatório de inspeção fiscal in loco junto aos Cartórios, determinada pela Portaria nº 3115/2017, de 11 de julho de 2017, também relativa aos atos da tabeliã interina destituída, Rayone Queiroz Costa Lobo. Preliminarmente, apura-se a ausência de R$ 500 mil no caixa das serventias (referentes a depósitos prévios), além de prejuízos à administração pública que ultrapassam a ordem de R$ 2 milhões.
Análise contábil
Com base nas prestações de contas apresentadas, a equipe do Fermojupi, responsável pela inspeção, apurou que a arrecadação média do Cartório do 2º Ofício era de R$ 1.399.706,45, e do Cartório do 8º Ofício era de R$ 105.484,71.
De acordo com os demonstrativos de despesas apresentados, as receitas encontravam-se próximas de estar comprometidas integralmente. No entanto, foram constatados indícios veementes de irregularidades, como: pagamento de horas extras a funcionários e tabeliães substitutos sem comprovação e sem prévia autorização do Tribunal de Justiça; desigualdade salarial entre tabeliães substitutos (R$ 15.854,00) e escreventes (R$ 4.060,00) e pagamento de salários incompatíveis aos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário.
Também foi constatada a contratação de múltiplas assessorias, sem justificativa e sem prévia autorização do TJ-PI, inclusive com a verificação de valores pagos relacionados a contratos de serviços de terceiros, cujo objeto corresponde ao já contratado mediante folha de pessoal.
No caso do serviço de segurança privada, fora contratada empresa terceirizada no valor de R$ 188.308,07 e constava na folha de pagamento o valor de R$ 109.251,15 pago a seguranças, configurando a sobreposição de contratos com o mesmo fim. Prática semelhante foi averiguada em relação à contratação de assessoria jurídica.
A inspeção verificou ainda a prática de exercício ilegal de advocacia e de contabilidade por parte dos tabeliães substitutos e a utilização da função para a efetivação de contratos via empresa de propriedade de tabelião substituto.
Durante os trabalhos de inspeção financeira, após o afastamento da ex-tabeliã, a CGJ-PI constatou a existência de indícios de pagamento habitual de horas extras não comprovadas e possivelmente utilizadas para cobrir retiradas ou inflar salários. Vultosos pagamentos de horas extras a membros da diretoria eram feitos em espécie, quando a ordem de despesa deveria ser mediante transferência bancária, sendo o montante apurado até o momento de R$ 277 mil.
Também verificou-se evidências de apropriação de receita oriunda de serviços de fotocópia, cujas despesas eram pagas em sua totalidade pelos usuários e a renda repassada à tabeliã interina destituída para desfrute pessoal. O desvio apurado até o momento é de aproximadamente R$ 60 mil em um ano, conforme declaração expressa da ex-tabeliã.
Apurados todos os ilícitos cometidos, o TJ enviará para que a Polícia Civil investigue os possíveis crimes de peculato.
Funcionários demitidos
Hoje (20), cerca de 90 funcionários ficaram sabendo que foram demitidos e temem que não receber seus direitos trabalhistas. Em reunião do Conselho Administrativo do Fermojupi, realizada ontem, ficou definido o entendimento de que o pagamento de verbas rescisórias a funcionários demitidos após a mudança de diretoria das serventias deve ser feito pela então contratante, Rayonne Queiroz, por tratar-se de contratações realizadas por meio de Pessoa Física.
O Conselho definiu ainda que os funcionários que atuam nos cartórios e não tiverem envolvimento nas irregularidades apuradas poderão ser aproveitados em suas funções, caso seja de interesse da atual tabeliã interina.