terça-feira, 9 de maio de 2023

THE: Perícia particular aponta responsabilidade da Mota Machado em alagamento de condomínio de luxo

 No último dia 09 de janeiro, nas primeiras horas da manhã de uma segunda-feira, uma forte chuva caiu na região da zona leste de Teresina. A imprensa local deu ampla cobertura para um sinistro ocorrido no Condomínio Mirante Theresina, construído pela Incorporadora cearense Mota Machado.

Durante o temporal as águas invadiram um canteiro de obras, de responsabilidade da Vanguarda Engenharia, que fica ao lado desse condomínio, e seguiram seu curso para em seguida alagar o segundo subsolo do Mirante Theresina, destruindo veículos de luxo e trazendo diversos prejuízos aos moradores.

O evento viria a pôr em rota de colisão a Vanguarda Engenharia e a Mota Machado. Ambas passaram a olhar para a obra da outra, apontando eventuais situações que teriam contribuído para o alagamento do prédio residencial.

FOTO: DIVUGALÇÃO/LAUDO PERICIAL
_Local da obra da Vanguarda
_Local da obra da Vanguarda

Passados quase quatro meses a Vanguarda Engenharia tornou público um laudo técnico oriundo de perícia contratada junto ao escritório especializado Avaliar Mercado.

As investigações teriam comprovado que nunca houve rompimentos de paredes como noticiado pela imprensa no dia do sinistro.

Os vídeos que circularam mostraram as águas tomando toda a área do canteiro e subitamente esvaziaram, como uma descarga.

Vários meios de comunicação, além das redes sociais, replicaram os vídeos à época informando sobre um suposto desabamento da contenção do subsolo do Condomínio Mirante Theresina.

A conclusão do laudo da perícia contratada pela Vanguarda aponta causa diferente.

“Comprovou-se também que na passagem das águas pluviais, houve uma captação descendente abrupta (vídeos internet) comprovando [que] essa captação fluída exagerada só se deu, devido à má qualidade do reaterro deixado pela obra do Ed. Condomínio Mirante Theresina, que funcionou como uma “peneira de vazios” pelo excesso de porosidade existente na granulometria encontrada dentro do canteiro de obras do Studio V, zona limítrofe a um nível entre (4,0m a -6,00m). Do lado interno do condomínio existente a área de drenagem - canteiro lateral localizado no subsolo 2, (vide fotos anexas) não funcionou como Retentor, mas sim como um Elemento de dinamização do Fluido Pluvial”, diz o documento.

“Afetando”, continua o laudo, “toda pavimentação e toda área deste pavimento conjuntamente prejudicando vários veículos, motos, bicicletas, objetos gerais, elevadores, etc. (Vício Construtivo e que gera Responsabilidade Civil Objetiva - visto que se comprova diretamente o DANO, O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FATO E O DANO E A CULPA LATO SENSU (CULPA- IMPRUDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA E OU IMPERÍCIA; OU DOLO DO AGENTE) Referência Código Civil Brasileiro, Lei Federal nº 10.406/2002)”.

FOTO: REPRODUÇÃO / MONTAGEM 180GRAUSFotos do dia
_Fotos do dia

Diz o laudo ainda que “nos dias subsequentes ao sinistro, o exato ponto de passagem ainda era um mistério”, mas que com o avançar das apurações e uso de várias técnicas, foi encontrado o que seria o elo entre os dois terrenos, o canteiro de obras da Vanguarda e a área do Condomínio Mirante Theresina.

“Quando a escavação chegou abaixo do nível de subsolo foi encontrado o exato ponto de conexão entre o terreno da obra e o Condomínio Mirante Theresina. Esse ponto de alívio de pressão, situação “sine-qua-non”, devido ao residual de solo nos níveis de (-3,00m) a (- 6,00m ) funcionaram como dreno em forma de embolo com diâmetro de percolação de quase 2m² (Rolha cilíndrica residual) resultante do fluído entre o canteiro de obras e o subsolo2, somente possível pelo número de reaterros encontrados logo após o sinistro”, diz trecho do documento que possui 1.126 páginas.

FOTO: REPRODUÇÃORetirada da página 36
_Retirada da página 36

Com isso, afirmaram, “comprova-se a total inadequação do aterro utilizado como substrato contra os princípios normativos da NBR 15.575/2015 (Norma de desempenho)”. E que “a destinação final inapropriada de resíduos sólidos vai contra toda a legislação ambiental em especial a lei 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais)”.

Ou seja, pelo laudo técnico a vazão da água para o condomínio Mirante Theresina só teria ocorrido devido a essas constatações e não por supostos buracos, rompimentos ou qualquer abalo na contenção do Condomínio Mirante, vez que a parede teria continuado firme, feito que teria sido verificado após o esgotamento das águas.

Em sendo assim, as águas teriam passado por baixo das fundações, entrando por uma jardineira localizada no segundo subsolo, onde não havia laje de concreto.

FOTO: REPRODUÇÃORetirada da página 36
_Retirada da página 36

Concluíram ainda:

“Após dias, contados a partir do dia 10 de Janeiro de 2023, o perito signatário e sua equipe, com mais de 40 visitas “in loco” entre canteiro de obras do Studio V, análises de campo e contorno, altimetria e planimetria das quadras que compõem o fluxo pluvial, testes de SPT (internos) a obra e ao condomínio, testes de percolação, testes e análises diversas em todo trecho da parede de contenção na faixa divisória entre o sinistro (condomínio / obra), uso de drone para mapeamento e projeção, uso de termografia pontual, uso de videoscopia entre os pontos suspeitos, mapeamento dos entulhos, medição do nível de alagamento, por fim e pela não documentação de projetos não recebidos com foco em drenagem, o laudo pericial enquadra o Condomínio Mirante Theresina em imperícia sobre o reaterro utilizado e os vícios endógenos de projeto. Imprudência no quesito temporal pela falta de entrega dos projetos de drenagem ao uso e manutenção do cliente condomínio até o momento do início das obras do Studio V, e Negligência do ponto de vista da lei de impacto de vizinhança, que ao se pedir o laudo do sinistro o mesmo ainda não tinha os documentos em mãos”.

LIXO NO “REATERRO”

Outro achado declinado no laudo é que a perícia técnica teria detectado “através das inspeções muito lixo de obra e resíduos inadequados e inapropriados para reaterro, encontrados nos níveis (-4,00m a – 6,00 m)”.

Entre os materiais catalogados na perícia estavam “sacos plásticos, latas, ferros retorcidos, maçaricos, residuais de tinta, banners, uniformes, restos de tapumes, etc”.

Esse laudo deve ser encaminhado à Delegacia de Meio Ambiente e à Procuradoria de Meio Ambiente.

MOTA MACHADO DIZ QUE TUDO OCORREU APÓS OBRA DA VANGUARDA

Ao responder a questionamentos do 180graus.com, com a íntegra das respostas disponibilizadas logo abaixo, a Incorporadora Mota Machado afirmou que “há 06 anos a Construtora entregou o empreendimento e, desde então, não houve intercorrência, sempre mantendo uma relação harmoniosa com os condôminos. Contudo, com o empreendimento realizado pela Vanguarda no terreno vizinho, viu-se que não houve os devidos cuidados de contenção”

E que “essa assertiva se baseia em perícia contratada, a qual concluiu que 'uma série de fatores resultou no incidente do alagamento do subsolo do Condomínio Mirante Theresina', notadamente, a ação da Construtora Vanguarda da 'redução do caminho de percolação, ocasionado pela escavação, sem a execução de uma nova estrutura de contenção', conforme atestado pelo Dr. Alan Scipião em nosso laudo”.

 O QUE DIZ O CONDOMÍNIO MIRANTE THERESINA

Diante de questionamentos enviados pela reportagem à gestão do condomínio, após envio do laudo técnico, foi dito:

"Acusamos recebimento do Laudo Pericial produzido pela Vanguarda Engenharia relativo ao sinistro Studio V. Inicialmente enviamos a nossos engenheiros contratados e assessoria jurídica para análise prévia. A discussão sobre o conteúdo apresentado no Laudo deverá ser objeto de discussão em Assembleia do Condomínio. Agradeço a preocupação ao tempo em que informo que todas as medidas estão sendo adotadas pelo Condomínio para recuperação dos danos causados".

O QUE DIZ O DONO DA VANGUARDA ENGENHARIA

180: Qual o posicionamento da empresa sobre o ocorrido?

Engº Jivago Castro: Desde os primeiros momentos entramos em ação para ajudar os moradores; fizemos um planejamento de guerra e conseguimos barrar a entrada de novas águas, naquele dia tinha previsão de mais chuvas; esgotamos nossa área e o subsolo do Mirante, tudo em menos de 24 horas. Após isso para nossa surpresa não havia nada rompido. Contratamos um escritório especializado em perícias para apuração dos fatos que deram causa ao evento. Agora recebemos o laudo após quase 120 dias de perícia e constatamos as causas que deram origem ao problema. Neste tipo de evento que envolve os moradores, outra empresa e seguradoras é preciso ir a fundo nas respostas, em perícia de engenharia legal não cabem respostas inconclusivas para um evento de tamanha magnitude.

180: Mas é possível apontar as causas? As chuvas contribuíram para o evento?

Engº Jivago Castro: Nossa obra está 100% aprovada, com todas as licenças e até aquela data, não havia apresentado nenhuma anormalidade, pelo contrário, estávamos desenvolvendo os trabalhos em bom ritmo e segurança. As chuvas são eventos previsíveis e tomamos devidos cuidados com as drenagens adjacentes. Mesmo com todas as chuvas as águas jamais poderiam ter chegado a quase 8 m de profundidade, tínhamos escavado uma cota de 4,00 abaixo do nível do terreno natural para assentamento de nossas sapatas e nesses trechos não havia reaterro indevido. Como engenheiro civil posso afirmar que mesmo com toda a chuva, seria mais provável um rompimento da contenção que as águas conseguirem percolar tão profundo e encontrar do lado interno do Condominio um ambiente favorável e facilitador para o evento.

180: O senhor poderia explicar melhor?

Engº Jivago Castro: Nossa perícia encontrou no ponto por onde as águas percolaram, áreas de drenagem com pequenos sumidouros, com as chuvas nestas áreas o solo satura perdendo estabilidade, assim temos uma pressão de água externa imensa e um solo sem resistência nesta interface, esse ambiente foi fundamental para o evento. No mesmo cenário a perícia comprova inconformidades de engenharia, uso indevido de material, falta de compactação, ausência de projeto de drenagem adequado e aprovado e também, construção irregular de sumidouro.

Com essa conclusão dos resultados vamos apresentar aos moradores e acionar os responsáveis judicialmente, quem não tem responsabilidade são os moradores, que adquiriram um imóvel de alto padrão e receberão uma contenção, item de segurança máxima, de péssima qualidade, reaterrada com lixo de obra e sem estanqueidade, pondo em risco a vida dos moradores e nossa obra prejudicada.

180: Mas suas afirmações são muito sérias, o senhor tem como provar isso?

Engº Jivago Castro:A perícia já comprovou o que deu causa ao alagamento de um segundo subsolo. As águas encontraram um caminho facilitado, um dreno oculto por toda a extensão da contenção deixado há mais de 6 anos; eu duvido que o proprietário desta empresa tenha mandado alguém fazer isso, não é racional que uma empresa faça isso, mas foi feito e trouxe prejuízos aos moradores e a nossa empresa; se não houve controle na obras isso pode acontecer. O laudo será encaminhado ao Ministério Público, Policia Civil, CREA/PI, ao Condomínio e às seguradoras.

Vídeo enviado pelo engenheiro: 

O QUE DIZ A INCORPORADORA MOTA MACHADO

Procurada pelo portal a Incoporadora Mota Machado respondeu a uma série de perguntas e disse que as respostas enviadas têm como base o Laudo Técnico Pericial, lavrado após inspeção in loco, assinado pelo engenheiro Civil Alan Scipião, CREA 15.010D.

portal: Qual o posicionamento da construtora sobre o ocorrido?

Mota Machado: Há 06 anos a Construtora entregou o empreendimento e, desde então, não houve intercorrência, sempre mantendo uma relação harmoniosa com os condôminos. Contudo, com o empreendimento realizado pela Vanguarda no terreno vizinho viu-se que não houve os devidos cuidados de contenção. Essa assertiva se baseia em perícia contratada, a qual concluiu que “uma série de fatores resultou no incidente do alagamento do subsolo do Condomínio Mirante Theresina”, notadamente, a ação da Construtora Vanguarda da “redução do caminho de percolação, ocasionado pela escavação, sem a execução de uma nova estrutura de contenção”, conforme atestado pelo Dr. Alan Scipião em nosso laudo.

portal: A construtora recebeu o laudo pericial produzido pela Vanguarda Engenharia?

Mota Machado: Não. Recebemos somente uma notificação técnica inconclusiva, relatando “que estão impedidos de tomar qualquer resolução técnica”, ocasião a qual foi enviada contra notificação à Construtora Vanguarda para questionar a comprovação das licenças ambientais permissivas para a obra, bem como o projeto de drenagem de águas pluviais aprovado, estes imprescindíveis à grande construção realizada no terreno vizinho ao Condomínio Mirante Theresina. Contudo, a Vanguarda nunca respondeu a Contranotificação expedida, bem como quaisquer dos documentos solicitados.

portal: A empresa prestou assistência aos moradores durante e após o ocorrido?

Mota Machado: Sim. O corpo técnico de engenharia civil da Construtora esteve presente em vários momentos in loco no Condomínio Mirante Theresina, além da inspeção realizada pelo Perito Dr. Alan Scipião, o qual buscou primeiramente averiguar a segurança e solidez da construção do Condomínio Mirante Theresina após o incidente provocado pela obra da Construtora Vanguarda no terreno vizinho. Pode-se concluir, após análise técnica especializada, que “o incidente não representa risco estrutural de colapso ou ruína do Condomínio Mirante”.

portal: Foi realizada perícia por parte do condomínio? Se sim, você poderia me disponibilizar?

Mota Machado:Temos ciência da realização da perícia técnica elaborada pelo Condomínio. Contudo, não tivemos acesso ao teor. Ademais, ressaltamos que nós realizamos perícia técnica, também de ciência do Condomínio.

portal: A empresa tomou providências para evitar novos alagamentos?

Mota Machado: Os alagamentos não têm qualquer relação com a construção do Condomínio Mirante Theresina. Conforme se pôde concluir, o alagamento foi consequência da ação praticada pela Construtora Vanguarda em terreno vizinho, em evidência de falhas procedimentais na contenção da obra, resultando no desmoronamento da via pública e, consequentemente, escoamento de toda água pluvial no terreno, conforme registro:

FOTO: REPRODUÇÃOImagem enviada pela Mota Machado
Imagem enviada pela Mota Machado

portal: A empresa utilizou resíduos de obra no reaterro da contenção?

Mota Machado: Não. Na obra do Condomínio Mirante Theresina não houve nenhum tipo de reaterro de contenção, sendo realizada seguindo todos os parâmetros técnicos estabelecidos em lei, além da prática da boa engenharia.

portal: Quais ações foram tomadas pela empresa para que o incidente não volte a ocorrer? Foi realizada a verificação da segurança nas demais ruas? Será conduzida a verificação?

Mota Machado: Tendo em vista que trata-se de um evento de causa externa, a indagação deverá ser respondida pela Construtora Vanguarda, responsável pelo evento de alagamento, ocorrido no terreno vizinho e que repercutiu, por consequência, no subsolo do Condomínio Mirante Theresina, na data de 09.01.2023.

portal: Quais medidas preventivas foram tomadas para que o incidente não volte a acontecer?

Mota Machado: Tendo em vista que trata-se de um evento de causa externa, a indagação deverá ser respondida pela Construtora Vanguarda, responsável pelo evento de alagamento, ocorrido no terreno vizinho e que repercutiu, por consequência, no subsolo do Condomínio Mirante Theresina, na data de 09.01.2023.

portal: Você acredita que novos alagamentos e incidentes da mesma magnitude voltem a acontecer?

Mota Machado:Os moradores do Condomínio Mirante Theresina estão receosos com a possibilidade de ocorrer novo alagamento no terreno vizinho e que possa repercutir novamente no subsolo do Condomínio Mirante Theresina, por dúvidas quando a segurança da obra gerida pela Construtora Vanguarda. 

fonte 180graus.com