sexta-feira, 22 de maio de 2015

“Me prostituo porque é a única forma de eu ser inserida no meio de gente bacana”


“Me prostituo porque é a única forma de eu ser inserida no meio de gente bacana”

Medo de doenças sexuais e a violência são elementos constantes na rotina de travestis que se prostituem em Teresina

Enquanto uma parcela da população dorme, elas estão nas ruas se prostituindo. Expostas aos perigos da vida noturna e à rejeição social, as travestis teresinenses fazem “ponto” em avenidas tradicionais da capital. A partir das oito horas da noite o trabalho das profissionais do sexo é iniciado. O Olho conheceu a rotina de um grupo destas que, por conta da presença freqüente, fazem parte do cenário das ruas de Teresina. 
 A partir das oito horas da noite o trabalho das profissionais do sexo é iniciado (Foto: João Alberto/O Olho)
Na rua 24 de janeiro, no Centro de Teresina, Paola se prostitui há seis anos e afirma que não é por necessidade financeira. “É por que eu gosto da emoção. Gosto do sexo”, conta. A travesti faz programa toda semana, de quinta-feira ao domingo, e cobra entre R$ 50 a R$ 70 por saída com um cliente. “Depende de onde será feito. Se for no carro é R$ 50, se for no motel é R$ 70”, detalha Paola.
Às 21 horas, após o término da aula do curso de penteado de noivas, a travesti Suzane pega um moto-táxi e chega a um posto de combustíveis da Avenida Frei Serafim onde ela se “monta”. “Me arrumo no banheiro daqui e sigo para a Rua Goiás”, explica. A corrida do mototáxista não é paga de forma imediata. “Os moto táxis são parceiros das travestis. Andamos com eles e só pagamos no final da noite, quando terminamos os programas”,revela Suzane.
A travesti Suzane trabalha nas ruas há sete anos. Durante esse tempo, ela conta que ficou com medo de morrer “várias vezes”. A prostituta diz que no ano passado quatro homens desceram de um carro na avenida Frei Serafim e começaram a agredi-la. “Me deram murros, mas a sorte é que a polícia passou na hora”, relembra.
Suzanne sai do curso de penteado de noivas e se prepara para mais uma noite de trabalho (Foto: João Alberto/O Olho)
 A insegurança de Suzane e de outras travestis piauienses é compreensível, visto que, de acordo com dados do Disque 100, Central da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Piauí é o segundo Estado brasileiro que concentrou o maior número de denúncias de casos homofóbicos em 2014. Nos últimos dois anos, o assassinato das travestis Savana Vogue, na zona Sul, e da Makelly Castro, no Centro da cidade, assustou os gays que, assim como elas, enfrentam os riscos da intolerância para se prostituir.
De acordo com Suzane, correr esse risco vale a pena. Ela afirma que na rua se sente a rainha da noite. “Apesar de tudo, aqui eu me acho. E não me prostituo tanto pelo dinheiro, mas sim por que eu não tenho outra opção de ter um vínculo social com gente bacana se não for através da prostituição. É a maneira que tenho de me inserir nesse meio de gente que tem dinheiro. Aqui eu tenho o direito de escolher com quem eu quero sair”, justifica.
CLIENTES SE DIZEM HETEROSSEXUAIS
As travestis prostitutas entrevistadas pelo O Olho revelam que a maioria dos clientes trata-se de homens de 30 a 50 anos que, perante a sociedade, não são homossexuais assumidos. Entre empresários e políticos, a clientela da travesti Kauane paga em média R$ 150 por programa.
“Tenho muitos clientes que são casados com mulheres e mesmo assim pagam para ficar comigo. Sobre o preço, varia muito”, conta Kauane, recém chegada de uma temporada de prostituição em São Paulo. A travesti faz ponto fixo na avenida João XXII.
Travesti revela que idade de clientes varia entre 30 a 50 anos (Foto: João Alberto/O Olho)
SEMELHANÇA COM MULHER
Suzanne teve que investir quase R$ 8 mil para implantar próteses de silicone no corpo com o objetivo de parecer com uma mulher e atrair mais clientes. Mas há travestis que naturalmente tem traços femininos e confunde os clientes. É o caso de Carol.
A travesti afirma que a forte semelhança com uma mulher prejudica o trabalho. “São vários os clientes que saem comigo e quando descobrem que eu não sou uma mulher de verdade não querem pagar. Eles começam a me xingar e a dizer que eu os enganei. Eu não tenho culpa se pareço uma mulher de verdade”, disse Carol.
A beleza de Carol é invejada pelas travestis que atuam no balão do São Cristóvão e entre elas acaba havendo uma disputa interna. “Já tentaram ferir meu rosto”, conta.
Carol: “Quando descobrem que eu não sou uma mulher de verdade não querem pagar” (Foto: João Alberto/O Olho)
MEDO DE DOENÇAS
O receio de contrair doenças sexualmente transmissíveis faz com que as travestis adotem exigências ao fazer um programa. “Só faço com camisinha”, é o que garante a travesti Lunnara. Ela conta que alguns clientes oferecem mais dinheiro para ter sexo sem o uso de preservativos. “Mas não aceito porque a gente nunca sabe se uma pessoa tem doença ou não”, justifica.
Suzane, que conhece parte das travestis teresinenses, distribui para elas camisinhas e lubrificantes. “Como tenho muitos anos na rua, procuro sempre conscientizar as meninas desses riscos que estamos vulneráveis. É necessária a criação de políticas públicas para tratar disso. Temos que evitar essas doenças se quisermos continuar vivas”, finaliza a travesti.

fonte portal o olho