segunda-feira, 20 de abril de 2015

Continua o mistério na cidade que teve cemitério destruído em ritual suspeito de magia negra


Continua o mistério na cidade que teve cemitério destruído em ritual suspeito de magia negra

O cemitério em questão é conhecido por ser o mais antigo da cidade. As primeiras sepulturas datam que há pessoas enterradas ali desde o início da década de 1930


Nossa Senhora de Nazaré é uma entre as mais de 200 cidades do interior piauiense em que impera o sentimento de tranquilidade. Tem população pacata e muito hospitaleira. Suas ruas quase sempre estão com pouca movimentação e qualquer pessoa “de fora” chama logo atenção por ser uma novidade. Raramente aparece em noticiário policial (o caso mais grave dessa magnitude foi o assalto a agência dos Correios no Centro da cidade).
Igreja de Nossa Senhora de Nazaré: uma cidade abalada pelo mistério do cemitério vilipendiado. Magia negra? Vandalismo? Loucura? Foto: João Alberto / O Olho.
Mas, desde a manhã da última quinta-feira (16 de abril), Nossa Senhora de Nazaré foi acordada com o mais macabro caso de sua história: um dos dois cemitérios da região urbana do município tinha amanhecido vilipendiado. Covas foram reviradas, imagens sacras esfaceladas e sepulturas quebradas. Suspeita-se até hoje de que o lugar tenha sido palco de rituais de magia negra.
O município, que tem pouco mais de 4.700 habitantes e 19 anos de existência, convive com o maior mistério da sua história.
Cemitério Lagoa da Cruz: palco do maior mistério já visto na cidade. Foto: João Alberto / O Olho.
Afinal: por que alguém (ou mais de uma pessoa, como suspeita-se) iria invadir um cemitério no meio do mato? Andando por quase um quilômetro em uma estrada que quase não passa um carro direito, no meio de um carnaubal? Por que quebrar quase 30 sepulturas, ter revirado quase todas elas e ainda ter tentado desenterrar todos os corpos sepultados este ano? Três covas, de pessoas falecidas em 2015 estavam cavadas. Uma delas com mais de 60% de terra já retirada.
Detalhe: quem fez isso não levou nada, mas fez questão de quebrar (com pedras tiradas das sepulturas mais antigas e com uma enxada) praticamente todas as imagens de santos católicos expostas nos túmulos. E por que, mesmo mais de um terço das sepulturas sendo de crianças: nenhuma delas foi mexida? E qual o motivo da preferência quase sempre por sepulturas em que havia mais de uma pessoa enterrada? Por que todas as sepulturas com gavetas tiveram suas tampas quebradas ou tiradas do lugar?
Túmulo destruído no cemitério de Nossa Senhora de Nazaré. Foto: João Alberto / O Olho.
Cemitério esquecido e isolado
As respostas desses mistérios é que move as rodas de conversas da pacata cidade, tornando o então quase totalmente esquecido cemitério Lagoa da Cruz, um dos pontos mais movimentados do município.
O cemitério fica em um lugar considerado ainda quase urbano, mas a casa mais próxima está localizada a 1.200 metros de distância.
Túmulo teve tampo de mais de 70 kg quebrado. Foto: João Alberto / O Olho.
O cemitério em questão é conhecido por ser o mais antigo da cidade. As primeiras sepulturas datam que há pessoas enterradas ali desde o início da década de 1930. O lugar está lotado de sepulturas. São aproximadamente 180, contando um pouco da história do lugar e seus descendentes. Há sepulturas mais bem acabadas, com sinais de abandono de décadas. O mato toma conta de 70% do cemitério. Os outros 30% são capinados esporadicamente pelos parentes dos que ali estão sepultados.
Para se chegar ao cemitério Lagoa da Cruz tem de se passar por um carnaubal. O lugar fica em uma localização tida como “estranha” por ser no meio “do nada”, não havendo nenhuma indicação ou sinalização. Para quem não é da cidade facilmente se perde ao tentar encontrar o cemitério. São 750 metros para uma estrada que liga Nossa Senhora de Nazaré à zona rural. Depois pega-se uma estrada vicinal até a zona urbana propriamente dita (mais 550 metros).
Como costuma-se dizer no interior do Piauí: “só se vai a um lugar desses quem tem negócios”.
Mais mistérios
Mas novas perguntas surgem: afinal foi ou não magia negra? A quem interessa provocar uma população inteira? Por que apenas tentou-se cavar as sepulturas novas? Será que o serviço foi feito pela metade e os restos humanos, principalmente ossos, seriam levados depois.
Cruz de sepultura deste ano foi quebrada. Tentaram desenterrar corpos. Foto: João Alberto / O Olho.
A prática de invasão de cemitérios não é tão rara no Brasil. Lugares do tipo fascinam amantes de seitas satânicas e de magia negra. Acredita-se que pedaços humanos, inclusive crânios, ao serem envoltos a sangue de animais, terminam por transformar a pessoa que faz o ato em um ser mais iluminado, com mais tempo de vida e com mais poderes de prejudicar outras pessoas. Por isso cemitérios atraírem alguns grupos de pessoas.
A reportagem do portal esteve durante quase toda a tarde deste domingo no cemitério e em Nossa Senhora de Nazaré. Conversou com dezenas de moradores. Voltou com mais dúvidas que respostas, já que cada vez que se tenta entender mais o mistério, mais mistérios surgem.
O cenário do cemitério parecia de filme de terror, principalmente com algumas sepulturas ainda abertas, mostrando para qualquer um que ali adentre, o quanto o ser humano pode ser desrespeitoso com os vivos e com os mortos.
E o cemitério está aberto para qualquer um ver toda essa monstruosidade, pois sequer tem um cadeado. Apenas um portão divide a entrada das covas. O cemitério não tem muros, é cercado apenas por arame farpado.
Revolta, indignação e até sentimento de vingança povoa pensamento de moradores da cidade que tiveram túmulos de parentes violados
Praticamente todos os dias o criador de animais Antônio Joaquim da Silva, 47 anos, visita o Cemitério Lagoa da Cruz. Ele tem dois filhos e o pai enterrado no lugar. A alegação das visitas constantes se traduz em uma forma de matar a saudade dos entes falecidos. “Sei que não voltam, mas me conformo em ir lá”.
Antônio Silva: olhos marejados ao lembrar de ter encontrado túmulo do pai revirado. Foto: João Alberto / O Olho.
Mas a rotina das idas e vindas quase que solitárias ao lugar foi quebrada na última quinta-feira. Como de costume, pegou a moto e percorreu os quase dois quilômetros que separam sua casa do cemitério. “Passei mal quando vi aquilo”, relatou ao tomar conhecimento que o cemitério estava todo revirado. “Foi um momento muito triste. Ainda hoje me tremo”. Ele encontrou a sepultura do pai destampada e avariada. Toda a tampa de mármore estava retirada e a parte de dentro revirada.
Antônio Silva destaca que gastou R$ 5.300,00 para a feitura do túmulo do pai e que gastará outros R$ 3,800,00 para reformar o jazigo, que foi quebrado também em parte das alças. Muitos dos parentes das pessoas enterradas no cemitério já providenciaram reformas, inclusive colocando colas mais resistentes nas sepulturas com tampas.
“Quem fez isso é um monstro. Ou então um louco ou estava muito drogado. Fez duas covardias: mexeu com os mortos e mexeu com os vivos”, falou, trêmulo e como olhos marejados (já quase chorando) Antônio Silva.
O criador de animais fez questão de acompanhar a equipe de reportagem do portal até o cemitério e pormenorizar todos os estragos. Ele não acredita que os atos tenham sido cometidos apenas por uma pessoa, já que foram dezenas de sepulturas violadas e muitas delas tiveram pedras muito pesadas removidas. “Essa é a quinta vez que fazem isso. Mas essa foi a pior de todas”.
Antônio Silva apontou para uma pedra de uma das sepulturas. “Ela pesa mais de 150 quilos. Impossível de alguém ter feito isso sozinho”, reclamou.
Antônio Saraiva: sem entender porque fizeram tantas maldades no cemitério. Foto: João Alberto / O Olho.
“Qual a intenção de fazerem isso? Esbagaçaram muita coisa, povo sem noção”, reclamava o aposentado Antônio Saraiva Costa, 65 anos, que estava visitando o cemitério com duas parentes, para ver os estragos. “Tenho muita gente minha enterrada aqui”.
“Quem fez isso não tem coração. Foi uma covardia muito grande”, disse o aposentado Raimundo Alves de Sousa, 68 anos, um dos moradores mais antigos de Nossa Senhora de Nazaré. Ele é um dos homens que constroem túmulos de azulejo na cidade.
“Quebraram todos os santos. Os que não estavam quebrados estavam abertos. A gente só pensa em fazer besteira com esse tipo de gente”, dizia, indignado o empreiteiro Antônio Wilson Lucas de Sousa, 50 anos, um dos moradores da cidade que teve o maior número de covas de parentes violadas no cemitério.
O sentimento de vingança também é pensado algumas vezes por Antônio Silva, que é o morador que mais anda no cemitério. “Deus me perdoe, mas a gente pensa em fazer desgraça com uma pessoa dessas”, finalizou.
Caso não está sendo investigado por não ter havido denúncias formais à Polícia Civil
O caso ocorrido em Nossa Senhora de Nazaré ainda não foi oficialmente denunciado à Polícia Civil. São os delegados e investigadores daquela polícia que, por Lei, têm o poder de apurar fatos do tipo.
Praticamente todas as imagens de santos católicos foram quebradas no cemitério. Foto: João Alberto / O Olho.
Especificamente cabe à Delegacia Regional de Campo Maior (cidade polo que congrega Nossa Senhora de Nazaré – a 28 quilômetros de distância) apurar o caso.
No município que teve o cemitério destruído não há delegacia. A segurança do lugar é feito por um GPM – Grupamento de Policiamento Militar, com menos de dez membros.
Foram os PMs da cidade um dos primeiros a tomar conhecimento sobre o fato. Eles isolaram o lugar. Mas como o trabalho de investigação cabe à Polícia Civil e essa só pode agir mediante denúncias oficiais.
O caso só é investigado por moradores, inclusive tendo dois homens como suspeitos. As acusações pairam porque os mesmos foram vistos com pás e enxadas nos últimos dias perambulando por Nossa Senhora de Nazaré. Os dois acusados sofreriam de problemas mentais.
No final da tarde deste domingo pelo menos metade das sepulturas violadas já tinham sido consertadas. Mas nenhum morador tinha denunciado o fato à Polícia Civil.
Casos recentes suspeitos de serem magia negra no Piauí
As suspeitas da ocorrência de magia negra na destruição de um dos cemitérios da cidade de Nossa Senhora de Nazaré não é um caso isolado no Piauí. Há vários anos há fatos do tipo no estado, inclusive envolvendo até mortes.
Cemitérios fascinam adeptos de magia negra. Foto: João Alberto / O Olho.
Vez por outra a população piauiense é surpreendida com notícias de casos do tipo, ou até piores. Buscas milagrosas por benefícios pessoais ou coletivos, via entidades do mal, povoam o imaginário e ações de muitos piauienses. Essas pessoas apelam para rituais de magia negra, envolvendo ações ditas macabras. A morte é o ponto-chave desses rituais. Seja envolvendo artigos funerários ou até assassinatos.
Ritual de magia negra na cidade de Bocaina (região de Picos). Foto: Bocaina News.
Um desses outros casos ocorreu na cidade de Campo Maior (vizinha à Nossa Senhora de Nazaré). No meio de 2013 a dona de casa Maria Frankilmara, que ainda hoje reside no bairro Santa Cruz (periferia da cidade), denunciou que a sepultura de sua filha, morta em 2008 aos três dias de vida, tinha sido alvo de magia negra.
A menina está enterrada na localidade Vila Nova, em um cemitério específico para crianças. Próximo ao túmulo da menina foram encontrados velas pretas, cachaça, fotografias de várias pessoas e um couro de bode estirado, tudo muito bem preparado e colocado lá lembrando um ritual em homenagem a alguma divindade satânica.
Foi justamente o mal cheiro do couro que chamou atenção das pessoas que passavam na região. Esse caso está sem solução até hoje e os pais da menina ainda evitam falar com a imprensa.
Na mesma Campo Maior há um muro pichado na rua Capitão Francisco Félix, bairro Nossa Senhora de Lourdes, em que há um desenho lembrando uma figura satânica e a frase “A religião é o ópio do povo”.
No meio de março do ano passado moradores da cidade de Bocaina (a 332 quilômetros de Teresina) foram surpreendidos ao encontrarem na zona rural daquele pequeno município sertanejo sete cabeças de bode, mais um bode branco (com sinais de ser sido escapelado – tendo a pele retirada – com o bicho ainda vivo). Junto ao animal e às cabeças foram encontrados bebidas alcóolicas, cigarros e vasilhas repletas de sangue, também lembrando um ritual satânico de purificação.
Crânios de crianças encontrados em Cristino Castro. Mais um caso de magia negra. Foto: Polícia Civil do Piauí.
Também no ano passado, na cidade de Cristino Castro (a 602 quilômetros de Teresina) dois crânios humanos (provavelmente de crianças entre cinco e sete anos) foram encontrados dentro de uma caixa de papelão nas proximidades de um bar na BR-135. Os dois crânios pareciam ter sido desenterrados há poucos dias antes de serem encontrados na caixa. Um deles ainda continha restos de couro cabeludo. Até hoje não se sabe a procedência dos crânios.
No final de outubro de 2009 foi a vez da Polícia Civil do Piauí suspeitar que a dona de casa Lidinalva Moraes Lopes, 55 anos, que ficou desaparecida por semanas, tenha sido morta em um ritual de magia negra. Até hoje o caso está mal explicado e o que ocorreu realmente com a dona de casa continua um mistério. Testemunhas apontam que a época a vítima frequentava um templo dedicado a rituais envolvendo sangue e divindades de magia negra.
Em novembro de 2012 também foram encontrados partes de ossada humana, entre os bairros Nova Teresina e Santa Maria da Codipi, em posições que simulavam rituais de magia negra. As suspeitas eram grandes porque os ossos estavam limpos, sem cheiro e em local visível, o que fazia a crer que tinham sido colocado naquele lugar, em uma encruzilhada, de propósito. Anos antes, por volta de 2000, no mesmo lugar foi encontrado outra ossada. Na época do primeiro caso a Polícia Civil constatou que era proveniente de um dos cemitérios da zona Norte de Teresina e serviria para rituais religiosos. Até hoje não se sabe de quem são os ossos do segundo caso.
Mas o acontecido mais chocante envolvendo suspeitas de magia negra no Piauí este século ocorreu no final de agosto de 2002 na localidade Curral Velho, na cidade de São João da Serra (a 155 quilômetros de Teresina). O estudante Marcos José Bastos, 12 anos, teria sido assassinado, com o corpo retalhado e a cabeça esmagada. O responsável pelo crime teria sido o agricultor José Bastos da Silva, 70 anos, pai do menino.
Muro pichado na cidade de Campo Maior, vizinha à Nossa Senhora de Nazaré. Foto: João Alberto / O Olho.
O ato teria sido ocasionado para uma cerimônia de purificação em que o acusado acreditava que se matasse um filho inocente, teria vida eterna.
Os casos de violação de sepulturas, de invasão de cemitérios para realizar atos de magia negra e de retiradas de corpos (pedaços de ossos) e até de pedaços de caixões e outros elementos funerários são crimes de violação de sepultura, previstos de punição pelo artigo 210 do Código Penal Brasileiro (violar ou profanar sepultura ou urna funerária) com reclusão, de um a três anos, mais multa.
Enquanto os crimes não são solucionados uma parte dos moradores de Nossa Senhora de Nazaré pede aos céus (divindades do bem) que a cidade possa voltar à paz. Na tarde deste domingo a igreja da padroeira da cidade (que é a mesma que dá nome ao município) estava lotada de fiéis. Na frente da praça: mais de dez bêbados faziam a vida passar e provar que outra parte da cidade também quer voltar à tranquilidade de sempre.

fonte portal o olho