Proteção x intimidação: Polícia é encarada com temor nas periferias
Teresinenses relatam abordagens truculentas da PM e reforçam que ação exagerada é rotineira em bairros de menor poder aquisitivo.
“Não sou traficante, sou trabalhador”. O vigilante Carlos (nome fictício), morador do bairro Real Copagre, na zona Norte de Teresina, repetia a frase com ênfase a cada vez que lembrava do que aconteceu na última segunda-feira (17), próximo a sua casa. Ele viu, sem poder interferir, a abordagem truculenta da Polícia Militar a três jovens que conversavam na porta de uma das casas do bairro. Era 20h, quando sem motivos aparentes, uma viatura com policiais se aproximou e, usando intimidação física e psicológica, abordaram os jovens.
“Lembrei da última vez que eles fizeram a mesma coisa comigo. Eu estava jogava baralho na porta de casa e os policiais quiseram fazer baculejo, batendo e humilhando a gente. Não sou traficante, sou trabalhador, e eles não têm direito de fazer isso só porque a gente é pobre. Na última segunda, vi tudo que aconteceu com os meninos, fiquei com medo de me aproximar porque sabia que isso iria irritar mais ainda eles”, explica Carlos.
O caso que o vigilante se refere aconteceu com um dos filhos do senhor Juvenil dos Santos e outros dois jovens da comunidade, um deles com passagem pela polícia. Enquanto conversavam na porta de casa, a viatura se aproximou e realizou abordagem usando armas e bomba.
Também com medo de se identificar, Samuel (nome fictício) fazia parte do grupo abordado e conta o que aconteceu no dia. “A gente só estava sentado conversando. Os policiais chegaram e já foram apontando a pistola e encostando a gente na parede. Para um, chamou de viadinho, porque tem o cabelo pintado; a irmã dele entrou no meio e o policial disse que também batia em mulher. Depois, bateram em mim e no meu outro amigo. Também jogaram uma bomba e mandaram a gente ficar esperando estourar”, lembra.
Na calçada, as marcas da explosão ainda demarcam o local onde o fato aconteceu. Para Juvenil dos Santos, pai de um dos jovens abordados, o sentimento é de revolta. “Eu não estava aqui, mas, se estivesse, iria querer saber o que justifica eles tratarem os meninos dessa forma. A função deles não é proteger? Isso sempre acontece aqui, eles pensam que porque a gente é zona periférica podem fazer o que quiser, mas não é assim”, afirma com indignação.
Segundo Mila Santos, que presenciou a abordagem e interferiu durante a ação por considerar a atitude exagerada e violenta, os policiais afirmavam que poderia até acontecer troca de tiros. “Ele mandou eu fechar o portão e entrar para dentro de casa, porque poderia rolar até bala”, destaca. Em sua página pessoal da rede social, a jovem compartilhou o fato e recebeu o compartilhamento de casos semelhantes realizados na cidade.
Samuel, com passagem pela cadeia e aguardando julgamento, afirma que a violência acontece nas diferentes esferas da atuação da polícia, tanto dentro do sistema prisional como na patrulha pelos bairros da cidade. Ele foi alvo diversas vezes. “A gente sempre apanha e não pode fazer nada. Eu nem saio de casa mais, quando vou pra calçada acontece isso, imagina se eu não tivesse aqui”, conta.
Para o secretário de Segurança do Piauí, Fábio Abreu, a maioria da população se sente segura com a atuação da Polícia Militar do Piauí e, para evitar abordagens truculentas, ele afirma ser realizado, com frequência, aprimoramento da atuação policial.
“A diferença da nossa polícia é que ela é constituída de pessoas da nossa terra, são pouquíssimos os policiais que vieram de outras regiões. Então, eles servem para contribuir com a segurança da cidade. Agora mesmo, 400 policiais estão recebendo treinamento no CFAP para atuar de forma correta. Isso sempre acontece e creio que a população se sente segura com o trabalho realizado”, afirma
Em pesquisa, 62% da população afirma ter medo da polícia
Através de um levantamento feito a pedido do Instituto Datafolha, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reúne pesquisadores da área, as estatísticas confirmam que 62% dos moradores de cidades com mais de 100 mil habitantes têm medo de sofrer agressão da Polícia Militar.
Foram entrevistadas 1.307 pessoas em 84 municípios de todas as regiões do país. A margem de erro é de três pontos. Há três anos, uma mesma pesquisa como essa foi realizada. Na época, as estatísticas eram menores, já que 48% dos entrevistados afirmaram ter medo da polícia.
Desta vez, entre os que relatam ter medo da PM, a maioria é jovem, pobre, autodeclarados pretos e moradores do Nordeste. A pesquisa mostra ainda que 53% da população têm medo de sofrer violência da Polícia Civil.
Ainda segundo o levantamento, 52% da população têm algum parente ou conhecido que foi vítima de homicídio.