A história dos buracos que incomodam e infernizam o teresinense todos os dias
O trecho mais crítico da cidade é na BR-316. A rodovia federal corta pelo menos 15 quilômetros da zona urbana de Teresina. Foram encontrados 73 buracos
Olá, eu sou um buraco. Conto minha história porque o pessoal do portal decidiu conceder essa oportunidade. Um buraco não fala muito, mas tive a oportunidade de dizer parte do que penso. Decidi contar minha história porque buracos iguais a mim têm sido alvo de muita impaciência por parte dos teresinenses.
Moro na BR-316, zona urbana de Teresina, parte Sul, no quilômetro 9,5, precisamente no caminho que leva a capital do Piauí a mais da metade das cidades do estado e também a quase tudo quanto é canto do Brasil.
Eu e minha família (sim, família, pois não moro só) nos reproduzimos igual a coelho. Esta semana, nesse trecho, somos em onze. Praticamente todo dia aparece um membro novo da turma dos buracos.
A gente só ficando gordo e profundo. Sofremos de obesidade mórbida. E no caso dos buracos não há cirurgia de redução de estômago.
Não sei quantos parentes tenho na capital do Piauí. Pelo que ouço o povo que passa aqui perto falando: nossa família é muito grande. Dizem que há mais buracos que Silvas, Sousas e Carvalhos (famílias mais numerosas do Brasil) juntas.
Dizem que incomodamos diariamente milhares de pessoas. Não fazemos isso de propósito. Pelo que ouço o pessoal reclamar: a gente se multiplica igual a mato. Aliás, o povo da família do mato é nosso amigo. Eles ficam aqui pertinho da gente e também são acusados de incomodar pessoas, principalmente motoristas.
Buracos e mato se amam. Dizem que multiplicamos porque não combatem a gente e esquecem de praticar um negócio chamado manutenção.
Aqui, em frente ao lugar em que moro, tem duas paradas de ônibus, daqueles que não protegem ninguém. Vejo o povo ver buraco e muito sol na cabeça. Há poucos ônibus que passam aqui na BR-316 e o povo espera até por quase uma hora. Vejo os coletivos que circulam por cima de mim quase sempre lotados. É tanta gente que se eu tivesse coluna ela teria fraturado de tanto ônibus pinhado de gente.
E ainda tem um primo meu, gaiato, que teima em incomodar os pobres cidadãos que esperam na parada de ônibus. Ele é bem grandão e fica bem em frente à parada. Quando chove enche de água e o povo não pode passar ou é banhado de lama por motoristas que desviam do primo buraco. Até tem aparecido uns bichinhos dentro dele. Dizem que é um tal mosquito da dengue e que isso traz doenças.
Buraco não fica doente, mas dizem que deixa o povo doente de raiva e com pouca paciência. Será? Gostaria de saber sua opinião.
Nem tenho tempo de saber o que é esse negócio de dengue, pois toda hora é carro pequeno, é carro grande, é carreta, é moto, é ônibus, é veículo novo e veículo velho passando aqui por cima de mim ou bem de lado.
O povo cada vez mais transita devagarzinho. Parece que eles têm mais e mais respeito pela gente. Mas também ouço muitos xingamentos. Culpam um tal de Governo. Chamam os governantes (que fazem parte do Governo) de filhos de um nome com quatro letras e que começa com “p” e termina com “a”. Não sei o que é isso. Mas as mães dos governantes são muito famosas por aqui. Essa dona “p...a” tem um nome estranho, nunca a vi mas é sempre lembrada pelos motoristas. E quando falam ficam bem bravos. Parece não ser muito querida.
Dizem que o Governo é o responsável por nossa família ser tão numerosa e por a gente viver tanto tempo. Responsabilizam também o Governo em sermos tão gordos e profundos, tendo muita largura. Isso não é bullying?
Aqui perto tem até uns senhores que botam umas barraquinhas de venda de frutas. Eles são as maiores testemunhas que a gente não briga, que a gente não faz nada demais, somos só buracos que crescem.
A venda deles até aumentou um pouco, pois o povo, de tão devagar que anda, termina parando para comprar mais produtos. Parece, daqui da vizinhança, quem não gosta muito da gente é o povo da revendedora de caminhões e da transportadora. Os motoristas da transportadora nos xingam por crescermos tanto.
De vez em quando botam uns negócios por cima da nossa família. Chamam de tapa-buraco. Mas logo-logo a gente volta a aparecer. Parece até que é feito daquele negócio que chamam de sonrisal, que derrete com o primeiro sinal de água.
Somos teimosos e temos crescido, principalmente no período chuvoso. Mas é só cair alguns pingos que a gente volta a ficar gordão, mesmo tendo botado asfalto em cima de nossa família.
Não queria aparecer. Quase toda semana vem reportagem aqui e o povo fala um bocado. Fico até com vergonha de tanta gente achar que sou famoso.
Dessa vez não me entrevistaram, só me fotografaram. O povo pediu para eu contar minha história, em primeira pessoa mesmo, e relatos da minha família, inclusive para falar de meus primos. Quem sabe esse tal Governo não escuta o povo que tanto reclama?
Sou tímido, mas também não quero ficar calado. Sou um buraco e, mais cedo ou mais tarde, você topará de cara comigo aqui na BR-316 ou com alguém da minha família nessa Teresina de Deus e dos buracos.
Estou começando a acreditar que os xingamentos por existirmos só ajudam o tal Governo a nos beneficiar, pois não vejo muito a ser feito de concreto aqui perto.
Vida longa aos buracos de Teresina?
73 BURACOS ENTRE OS BALÕES DA CASA DE CUSTÓDIA E DO POSTO DA PRF
A história contada acima é a tentativa humorada, mas ao mesmo mais que séria, que justifica pedidos e apelos sobre a atual situação dos buracos que infernizam os cidadãos que transitam todos os dias pelas vias de Teresina.
Atualmente o trecho mais crítico da cidade é justamente o da BR-316 (em que o buraco da história acima faz a festa). A rodovia federal corta pelo menos 15 quilômetros da zona urbana de Teresina. Junto com a BR-343 são as duas principais entradas da capital do Piauí.
A título de comparação, além de contar a história do buraco, a reportagem do portal percorreu o trecho mais crítico e congestionado dessa rodovia federal em trecho urbano.
Andou-se nos 5,4 quilômetros entre o Balão da Casa de Custódia (no bairro Quilômetro Sete – em que a via deixa de ser triplicada) e o Balão do Posto da Polícia Rodoviária Federal (no bairro Distrito Industrial). Foi gasto um tempo considerável, com uma velocidade média de 34 quilômetros por hora, praticamente o limite mínimo para se transitar nesse trecho de rodovia (o que pode, inclusive, causar multa).
Em horários de pico demora-se até uma hora para percorrer esse pequeno trecho, pois, se já não bastassem os congestionamentos (por excesso de veículos) há os buracos, que impedem um maior fluxo. Se ocorrer um acidente, é certeza de que os motoristas passarão muito mais tempo sofrendo.
No trecho em questão foram encontrados 73 buracos, alguns muito grandes e que poderiam facilmente gerar acidentes e avarias em veículos. Em um deles (no quilômetro 9,5) cabe até uma moto dentro.
O trecho mais crítico encontra-se justamente nesse lugar, localizado em frente a uma revendedora de caminhões da Volkswagen e uma transportadora (de um lado) e o acesso ao Residencial Mário Covas (do outro lado). Somente nesse trecho (lugar em que “mora” o buraco da história) são quase 20 em menos de 300 metros. A velocidade máxima nesse trecho é de dez quilômetros por hora e são constantes os engarrafamentos no lugar.
ACIDENTES DIÁRIOS POR CONTA DA BURAQUEIRA. MAIS DE 80.000 PESSOAS PREJUDICADAS
Por conta da buraqueira no trecho urbano da BR-316 em Teresina todos os dias ocorrem acidentes.
Segundo dois policiais rodoviários federais que estavam de plantão no posto da PRF da BR-316 (bairro Distrito Industrial) quase todos os acidentes causados por buracos são colisões traseiras. Em frente ao posto há um buraco na rodovia.
“Um carro vai desviar de um buraco, freia rápido e o outro, que vem atrás, termina batendo”, revelou um dos policiais rodoviários de plantão. “Todo dia tem acidente. Diariamente temos de atender ocorrências nesse trecho. E olha que em muitos casos os donos se entendem lá mesmo e nem nos procura”, revelou o outro policial rodoviário de plantão.
Os patrulheiros rodoviários revelaram que em horário de pico há um fluxo médio de até 50 carros por minuto (no fluxo de entrada e saída de Teresina).
O trecho esburacado, além de ligar Teresina a municípios da região metropolitana, 70% dos municípios do Piauí e ainda a quase todos os estados do País, também é via quase que obrigatória de moradores de mais de 30 bairros, totalizando mais de 80.000 pessoas.
TRECHO DA BURAQUEIRA PERTENCE AO GOVERNO DO ESTADO DO PIAUÍ
O portal O Olho foi direto ao DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – em Teresina. Através de engenheiros esclareceu os motivos de haver tanta buraqueira.
Apesar da BR-316 ser uma rodovia federal, teoricamente seria de responsabilidade do DNIT sua conservação.
Mas desde 2012 a rodovia, através de convênio firmado com o então governador Wilson Martins, ficou sob responsabilidade de conservação a cargo do Governo do Estado do Piauí, que receberia recursos, em forma de compensação, para exercer esse tipo de atividade.
Além da BR-316 a BR-343 também passou por igual processo. O mesmo foi necessário para a alocação de recursos para a duplicação de trechos próximos a Teresina. As obras começaram no então Governo Zé Filho, mas foram paradas tão logo acabou a campanha eleitoral. Hoje o que restou do ensaio de duplicação é uma prova cabal de desperdício de recursos públicos.
O convênio mostrou-se um desastre. O Governo do Estado não fez o prometido em conservar o trecho da BR-316. E o DNIT leva a culpa.
As responsabilidades da conservação desse trecho são da Secretaria Estadual de Infraestrutura, que enviou comunicado que já está estudando a recuperação do trecho problemático. Mas não houve promessas de datas.
BURACOS TAMBÉM ESTÃO EM TODAS AS OUTRAS ZONAS DE TERESINA. TEM BURACO ATÉ EM FRENTE À SUPERINTENDÊNCIA DE TRÂNSITO
As famílias de buracos não incomodam apenas quem transita pela BR-316. O problema é quase endêmico em todas as zonas de Teresina.
Mesmo o asfalto urbano das ruas pavimentadas da capital do Piauí ser considerado de boa qualidade geralmente não aguenta a movimentação de veículos. Aliada à falta de manutenção e intempéries do período chuvoso o asfalto é deteriorado em pouco tempo.
Nem a sede da Superintendência de Trânsito de Teresina – Strans – se livra da buraqueira. No cruzamento da avenida Pedro Freitas com rua Benjamin Batista, no bairro Vermelha, há um grande buraco, ainda solitário, enfeitando a paisagem. Perto há outros três.
Marcas no asfalto mostram que buracos ali são comuns, mas foram recentemente tapados.
A Prefeitura de Teresina, responsável pela conservação das vias urbanas, tem aberto frentes de trabalho para tapar buracos. Um fato comprovado pela reportagem do portal é que há vários lugares da cidade em manutenção no asfalto e até recapeamento. Empresas contratadas pela Prefeitura da capital piauiense estão realizando tapa-buracos e melhorias.
Os serviços de recuperação de vias urbanas são de responsabilidade das SDUs – Superintendências de Desenvolvimento Urbano – Centro/Norte, Sul, Sudeste e Leste. Foi informado à reportagem que esse processo obedece a um cronograma e, assim como no caso do Governo do Estado, não há datas previstas para o fim da buraqueira em Teresina.