terça-feira, 30 de junho de 2015

Quem é dona Justiana, “a Tia do Saco”, uma das mendigas mais antigas de Teresina


Quem é dona Justiana, “a Tia do Saco”, uma das mendigas mais antigas de Teresina

Ela é uma das moradoras em situação de rua mais antiga da capital do Piauí. Perambula por vários bairros. O Olho foi mostrar quem é essa figura de Teresina


São poucos os moradores em situação de rua de Teresina que ainda não estão envolvidos com drogas (lícitas ou ilícitas). Menos ainda os que passam dos 50 anos de vida. Boa parte deles se envolve com o crack e já têm longo histórico com a cachaça - droga lícita mais em conta. Quase todos têm praticamente o mesmo fim: mortes por assassinato ou vítimas precoces dessas drogas. Eles vivem em grupos. É uma forma de defesa e de compartilhamento social para a solidão das ruas.
Justiana Cruz e seu inseparável saco. Foto: Orlando Berti/O Olho
Esse não é o caso de Justiana Sousa Cruz, que não sabe a idade, mas aparenta ter mais de 60 anos. Ou as intempéries da vida a envelheceram por algumas décadas a mais do que realmente ela pode ter. Ela não suspeita nem o rumo da idade. Conhecida por “Tia do Saco” é uma das mendigas mais antiga de Teresina, um dos personagens mais reconhecidos da capital piauiense.
No seu mundo. Foto: Orlando Berti/O Olho
Ao ser perguntada qual a idade ela respondeu 900 anos. Justiana não consegue falar com conexão mais que dez segundos diretos. Vive no mundo dela. Não tem documento, não tem parentes. Tem a rua como mundo e como lugar de papear. Raramente conversa com alguém. Mas fala aos quatro cantos. Diz que tem pessoas perto dela e são essas pessoas (imaginárias) que as acompanham no dia a dia entre os mais de dez quilômetros diários circulados entre ruas, matagais, lixões e tambores de lixo.
Juntamente com Damião Malvino dos Santos, o “Homem Lixo”, faz parte dos mendigos mais conhecidos de Teresina.
Ela é conhecida por “Tia do Saco” devido sempre andar com um saco de estopa, daqueles de 60 quilos que comportam trigo para panificadoras. É nesse saco que ela junta, em tambores de lixo e em terrenos baldios, cacarecos e restos de comida. Uma parte do que é juntado é levado para sua “casa”.
A casa de Justiana Cruz é um pequeno espaço localizado ao lado do viaduto da rua São Pedro (entre o bairro Ilhotas e o Centro) perto da linha do metrô, cruzamento com a rua Santa Catarina. Nesse espaço de dois por oito metros ela transforma em moradia. Como diz a música infantil: é engraçada, mas não tem teto e não tem nada. Parece que quem compôs a música conheceu a “Tia do Saco”.
"Casa" ao lado de viaduto entre o bairro Ilhotas e o Centro de Teresina. Foto: Orlando Berti/O Olho
Na verdade há na “casa” uma mesa, feita de caixa de papelão. Fazendo as vezes de toalha de mesa há um plástico preto. Há também uma cesta. Tudo é meticulosamente organizado. Algumas latas (a maioria de leite em pó) fazem as vezes de panelas e alguns brinquedos velhos complementam uma caixa de papelão, que também serve para guardar as latas. Não há fogão e o que ela cozinha (muitos deles alimentos encontrados no lixo) é com gravetos encontrados na região. Há um varal feito de cabo de vassoura em que comporta uma bolsa bem velha. Parece mais instrumento decorativo que propriamente dito utensílio doméstico. Talvez faça as vezes de guarda roupa. Ela só usa a roupa do corpo, quando encontra outras, dispensa a antiga e começa a passar a usar aquelas roupas, sendo masculinas ou femininas, folgadas ou apertadas.
Simplicidade e organização, mostrando que ser "da rua" não é sinônimo de imundície. Foto: Orlando Berti/O Olho
Mas, mesmo não tendo quase nada, faz questão de deixar tudo muito organizado. Uma vassoura, com cara de ter sido encontrada no lixo (dado ao estado de desgaste) ajuda na limpeza do lugar. Parece que faz isso várias vezes ao dia.
O banheiro não existe. Quando está em sua “casa” faz as necessidades em matagal da linha do metrô. Não há papel higiênico na “residência”.
Decoração da mesa da "casa" da "Tia do Saco". Foto: Orlando Berti/O Olho
Um jarro de flores artificiais (imitando margaridas laranjas) embeleza o local. A decoração é complementada com um cabo de guarda chuva (que não guarda nada, por existir só cabo).
O saco branco (que um dia serviu para carregar 60 quilos de trigo) é seu companheiro fiel juntamente com um porrete de aproximadamente um metro. “É para meter na cabeça de sem-vergonha”, falou dona Justiana, em alusão às pessoas que “caçam conversa” com ela. Ela anda para cima e para baixo da cidade com esses utensílios e assim, dia após dia, sem ser incomodada, vive sua invisibilidade social, inclusive de atendimento dos poderes públicos.
SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO E SEM RUMO, MAS COM O SACO
O inseparável porrete. Foto: Orlando Berti/ O Olho
O ponto em que permanece a “Tia do Saco” termina sendo mais como um local de passagem. Ela passa mesmo é o dia perambulando por ruas do Centro e dos bairros Ilhotas e Cabral. As marcas nas pernas e pés denunciam que é uma sofredora. Raramente pede trocados. Perambula e pede mais comida. Se precisa realizar alguma necessidade fisiológica geralmente faz na própria rua. “Ela toma banho de chuva (quando chove) ou então no rio Poti”, destacou uma das empregadas da empresa vizinha ao lugar em que dona Justiana tem uma “casa”.
“Tem vez que ela, para se livrar do lixo que acumula aqui toca fogo em tudo e é um Deus nos acuda com medo de que ela incendeie tudo. A gente pede para ela não fazer isso, mas não dá ouvido”, relatou outra funcionária.
Até hoje a presença da “Tia do Saco” no local mais gera espanto que outro sentimento entre as pessoas que passam e trabalham na região. Muitas já estão acostumadas, mas assim como outros mendigos da cidade terminam sequer sendo cumprimentados ou falando. “Dá medo, parece que ela é meio doida”, relatou outra funcionária da empresa.
Ela diz que o lugar está em reforma e que gosta de morar ali. E assim continua sua vida. Invisível, ou não, à sociedade, carrega seu saco e vive seu mundo.

fonte portal o olho