O termo corrupção deve dominar os debates e discussões na eleição de outubro. O combate a essa prática é o objeto e norteia o trabalho de Ministério Público do Piauí. Faltando oito meses para o pleito, a demanda dos órgãos de combate e repressão à corrupção aumenta e estratégias são elaboradas para que o pleito deste ano seja o mais transparente possível.
No Piauí, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Estado (GAECO) tem feito um trabalho de inteligência para identificar e prender corruptos. Comandado pelo promotor paraibano, Rômulo Cordão, o grupo tem atuação reconhecida pelas operações de repercussão nacional, que resultaram no desmantelamento de grandes esquemas e quadrilhas.
Cordão tem o trabalho reconhecido e ficou conhecido como linha dura. Em entrevista ao Cidadeverde.com, o promotor que ganhou fama de ser “o promotor mais temido do Piauí” fala dos desafios do trabalho de prender autoridades, das ameaças sofridas e do impacto para a sociedade do trabalho feito pelo Ministério Público.
Promotor, estamos em um ano de eleição e consequentemente as denúncias de corrupção aumentam. Como o GAECO se prepara para atuar neste período?
O Ministério Público tem tido o cuidado de se antecipar aos fatos para coibir, através de uma fiscalização dura e permanente no período eleitoral, esses atos de corrupção. Isso é importante para que a corrupção não venha a contaminar o processo eleitoral e, portanto, os escolhidos do povo. Como instituição temos essa função de trabalhar para evitar que atos de corrupção ocorram. Contudo sabemos que não é possível ser presente em todos os lugares e a todo momento. Por isso, temos que lembrar da importância da participação popular no sentido de coibir a corrupção eleitoral como a compra de votos e denunciar os órgão de fiscalização e a própria Justiça Eleitoral. O cidadão, o próprio eleitor, tem que contribuir. Não adianta órgãos como o Ministério Público fiscalizar quando tanto o candidato quer praticar o ato de corrupção, quanto o próprio eleitor também quer se corromper, no sentido de receber algum benefício. O Ministério Público e o cidadão precisam trabalhar juntos. A atuação do Ministério Público é mais eficiente se todos trabalham juntos. É preciso haver uma ação integrada de todos os órgãos que trabalham contra a corrupção. E o cidadão é parte disso. Essa integração deixa o combate à corrupção mais eficiente.
Então para o senhor o engajamento da população é fundamental no combate à corrupção?
Exatamente. Não tenho dúvidas disso. Eu creio que de todos os atores o cidadão é o mais importante. O protagonista das eleições é o eleitor. Se o eleitor faz sua parte, toma medidas no sentido de recursar um benefício em troca do voto é um passo importante. Muitas vezes a denúncia só ocorre quando é contra o adversário, mas quando o pecado é do grupo que se faz parte, se fecha os olhos. A participação do eleitor é muito importante. Eu vejo que com toda essa crise política e moral que o Brasil vive, essas eleições serão muito decisivas e importantes para saber de fato o que o povo quer. Muitos dos políticos que estão concorrendo às urnas são figuras conhecidas do tabuleiro eleitoral. Muitos já respondem por atos de corrupção, por desvios de verba pública, então o eleitor já tem conhecimento de quem são esses atores que estarão concorrendo a uma vaga. Será um bom termômetro para sabermos se a população quer a continuidade desse sistema corrompido e corroído ou se quer mudança.
Na eleição de 2016 foram muitas denúncias de usa do poder da Polícia Militar para beneficiar candidatos. Como o Ministério Público irá atuar para impedir que os órgãos de segurança sejam utilizados em atos que interferem no pleito?
Isso se traduz no abuso do poder político. O agente público se utiliza da máquina estrutural ou de pessoas para trabalhar pela sua campanha ou para se favorecer. Infelizmente isso acontece no Brasil inteiro, não só no Piauí. E não é só no quesito de Estado, nas eleições municipais também. Muitos gestores utilizam seus servidores, os retiram do expediente de trabalho para fazer campanha para candidatos. É dever do Ministério Público, notadamente nesses casos que envolvem agentes públicos policiais, fiscalizar e reprimir a conduta desses policiais que eventualmente estejam maculando a corporação e praticando esses atos dessa natureza. A população deve denunciar e o promotor ou juiz eleitoral, Polícia Civil ou Polícia Federal tem que tomar providências e in loco verificar se as denúncias procedem ou não.
As denúncias do usa da máquina para beneficiar candidatos são muito comuns. O senhor acredita que se não existisse a reeleição no país isso poderia ser menor?
Creio que sim. Não é o único fator negativo resultante da reeleição, essa questão do uso do poder político. Há outros. Mas também posso dizer que a corrupção não passou a existir só quando se instalou a reeleição. Ela sempre existiu. Entendo também que a reeleição ajuda a partir do momento em que o agente político tem o direito de concorrer a uma reeleição sem se afastar do cargo. Mantendo-se no cargo, evidentemente ele pode utilizar a máquina na campanha. Isso desequilibra a equação, a balança que diz que os candidatos devem ter as mesmas oportunidades em relação à coleta do voto do eleitor. Coloca-se um grande peso a favor de quem já está no poder nessa balança e isso consequentemente resulta em processo eleitoral que não é equilibrado. Entendo que o instituo da reeleição não é bom e tem trazido esses impasses e problemas para nossa democracia porque aquele candidato não consegue separar o que é agenda de governo do que é agenda eleitoral. E nessa mistura se aproveita do cargo para oferecer benefícios aos aliados e a cooptar as pessoas que estão vulneráveis e que aceitam receber algo em troca do voto.
O Brasil é conhecido mundialmente como um país onde a corrupção impera. Por que para nossos gestores parece ser tão fácil se corromper? Isso mostra que as nossas instituições ainda são fragilizadas ou é o sentimento de impunidade que encoraja? Eu diria que são vários fatores. Os atos de corrupção são chamados de crimes consensuais, ou seja, as pessoas que estão envolvidas não tem o interesse, evidentemente, de tornar público o que aconteceu. Então nesses crimes de corrupção as pessoas envolvidas – o corruptor e corrompido – se beneficiaram daquele ato e nenhuma das duas tem o interesse de denunciar. Segundo porque não há uma vítima concreta diferentemente de um roubo. Nesses crimes de corrupção, a vítima é a sociedade. Muitas vezes as pessoas não enxergam como prejudicadas por aquele ato porque ele não foi diretamente no seu bolso, mas da coletividade. O terceiro ponto é que ainda há a cultura de determinado atos serem considerados corrupção e outros apenas o jeitinho brasileiro, mas no fundo são atos de corrupção. Esse conceito que está inserido na consciência popular dificulta a percepção do cidadão. Ele se exalta e se revolta com a corrupção quando milhões são encontrado em uma mala, mas não se impressiona e acha até normal quando em uma blitz da polícia ele oferece um trocado para ter o carro liberado.
Nossa legislação que trata de punição aos atos de corrupção ainda é muito tênue? Precisamos de uma reformulação? Tem ainda a questão da nossa legislação processual e penal que na minha concepção é uma legislação muito tênue, branda para esses atos de corrupção. Há crimes de furto onde a pena é muito maior do que no caso de corrupção, como ocorre em fraude de licitação. Por meio dessa fraude milhões foram desviados, prejudicando toda uma coletividade. A pena é menor do que em crimes de furto. Além disso, temos a questão da impunidade que é o combustível disso tudo. A partir do momento que o STF consolidou o entendimento que a condenação em segunda instância já deve passar a ser cumprida, executada a pena, se observa que já houve uma alteração muito grande no quadro político brasileiro com relação a esses atos de corrupção. Porque eles já veem como certa e não tão longe uma condenação. Muito partiram para confessar seus delitos, para solicitar colaboração premiada porque tem em vista uma punição que está chegando e é certa. Quando volta esse entendimento esdrúxulo de que deve se chegar ao STF, aguardar todas as instâncias para se cumprir uma pena, não tenho dúvida de que teremos um retrocesso. Os corruptos confiam nisso. Esses entes políticos vão contratar bons advogados e ficarem empurrando os processos e a condenação fica quase que impossível. Em algumas o crime já está prescrito, ou seja a impunidade é total.
Então o senhor defende que a prisão já ocorra em segunda instância? Defendo a prisão em segunda instância sim. Em muitos países a partir de uma sentença de primeiro grau se começa a executar um apena. Não acho razoável porque o segundo grau possibilita que um colegiado com mais maturidade possa avaliar a sentença de primeiro grau. Mas a partir da sentença de segundo grau já se deve executar a pena. Até porque estudo detectou que de todos os recursos na área criminal que chegam ao STJ, menos de 1% são alterados em alguma coisa da sentença de segundo grau. E quando alteram não é para absolver o réu, mas simplesmente o regime de cumprimento da pena, o início de cumprimento da pena, alguma coisa da pena. Apenas 0,1% é para ocorre a absolvição por alguma coisa. Esse recurso para o STJ e STF é uma criação brasileira. É uma coisa absurda e realmente incentiva o senso de impunidade que é um vetor para toda a mazela corruptiva que está o Brasil. O crime está compensando e para que se estanque essa sangria é preciso criar normas e procedimentos para que o gestor diga que o crime não compensa mais. Eu vou ser preso e condenado e meu patrimônio vai ser tomado.
A história mostra que no Brasil nenhuma instituição está imune a corrupção. No próprio Ministério Público tivemos o caso de um ex-procurador preso por corrupção. Como foi ter que cortar na própria carne com a prisão de um colega de trabalho?
Devemos fazer da mesma forma que se faz em relação a qualquer outra instituição. A polícia em relação ao Judiciário quando há casos de corrupção.A diferença é que quando é na sua própria instituição se tem uma conhecimento mais próximo da pessoa, se tem o convívio, mas isso não pode ser obstáculo para a sua atuação. Quando passamos em um concurso público e passamos a exercer um cargo de promotor, de juiz, agente público ou políticos, que tem uma responsabilidade social muito grande, as suas responsabilidades e posições não são pessoais, mas institucionais. O seu papel é ser o aplicador de uma lei e da Constituição. Não pode haver espaço para dúvidas, simplesmente tem que ser profissional e fazer seu trabalho verificando meios ilícitos, confrontá-los e pedir que a lei seja aplicada. Essa questão de corporativismo é uma herança ruim que nós tivemos. É a ideia de que aos nossos tudo e aos outros os rigores da lei. Mas para um país democrático de estado de direito isso não pode existir. Seja quem for está submetido à Constituição daquele país em que ele vive e as leis.
O senhor já sofreu ameaças de morte. Teve que se afastar da família. Vale a pena fazer esse trabalho de combate a corrupção diante de tantas dificuldades e da impunidade no Brasil?
Com certeza vale a pena. Se eu voltasse 10 anos atrás na minha carreira, que estou completando 10 anos, eu faria tudo novamente. Devemos ter noção do nosso papel na sociedade. O Ministério Público tem como slogan “Agente de Transformação Social”. Se o promotor não fizer, quem fará? Não há espaço para se dizer eu vou ou não fazer. É um dever legal fazer dessa forma, se deixar de fazer eu vou prevaricar, sendo condescendente com o crime. E do ponto de vista pessoal, cada carreira tem seu sacrifício. Então a do promotor também é um sacrifício inerente à função que é lidar todo dia com contrariedade. É combater pessoas que tem o poder político e econômico e sofrer retaliações por isso. Podemos até sentir como ser humano, mas não deixar que isso paralise e impeça seu trabalho. É importante como ser humano deixar um legado. O que você fez para a sociedade? No ministério público não é diferente. Nós que trabalhamos temos esse dever de deixar um mundo melhor do que encontramos quando chegamos aqui para trabalhar. Acredito nisso e por essa razão continuo na missão. Se as ameaças existem é preciso enfrenta-las. Hoje atuando na capital é mais tranquilo.
O senhor atuou no combate a grilagem de terras no extremo-sul do Piauí. E sofreu ameaças de morte por isso. As ameaças ainda existem? Porque no Piauí ainda existem regiões consideradas terras sem lei?
São vários fatores. Temos que ter uma política de regularização fundiária muito definida coisa que se começa a construir. É preciso ter vontade e seriedade política porque muitas das terras que estão no Sul do Piauí são regularizadas ao sabor dos governos que passam. Regularizadas entre aspas porque na verdade o que ocorre é que elas são vendidas para alguns grupos e depois que se muda de governo, essas mesmas terras são vendidas para outro grupo o que causa esse problema tão grande. É como se diz que as terras aqui às vezes têm andares. São vários andares e o mesmo pedaço de terra tem vários donos. Isso tudo dificulta, mas já tem melhorado muito. A corregedoria da Justiça do Piauí já faz há alguns anos o levantamento dessas questões agrárias no Sul e Extremo-Sul do Piauí. Já conseguiram anular milhares de hectares de terras registrados sem comprovação de domínio e propriedade. Identificaram vários estelionatários agrários que adquirem essas terras e depois revendem para pessoas de boa fé. Tem o envolvimento de pessoas de cartórios nessas fraudes, que são imprescindíveis para que essas fraudes tenham sucesso. Sem a participação das pessoas dos cartórios, não teriam êxito. O Ministério Público tem tentado fazer seu papel, mas também, precisa do papel da classe política do estado que muitas vezes não leva à sério essa importância da regularização fundiária e isso tem consequências como a questão do descrédito para se investir no estado. Quando os investidores não tem segurança jurídica não querem investir no estado. A questão da desvalorização dessas terras porque não há a segurança ou certeza dos títulos que existem. Atrapalha o desenvolvimento do estado e das pessoas porque afasta emprego, produção de renda.
A participação e autoridades facilita esse crime?
Com certeza. Não tenho dúvida. Quando se investiga um crime comum praticado por um popular, pessoa do povo, é muito fácil se investigar. Via de regra não há nenhum processo de intervenção para se chegar a verdade. Quando há pessoas tem que uma envergadura política e econômica, os fatores que intencionam frear uma investigação são muitos. Evidentemente é um dos fatores que prejudicam. Mas as instituições têm que ter maturidade para caminharem para frente apesar de tudo isso.
Para o senhor que trabalha no combate a corrupção qual o significado desse momento que vivemos do país de grandes autoridades sendo presas?
Tem um significado muito emblemático. Depende das lentes de quem está enxergando. Em algumas lentes é muito negativo toda essa sujeira. Na minha lente creio que é positivo. Chegamos a esse ponto de passar toda a sujeira a limpo e começar a evoluir. Sou contra a ideia de dizer que a Lava Jato vai atrapalhar a economia do país. Quem prejudicou a economia do país foram essas pessoas que praticaram esses atos de corrupção e que quando foram descobertas fizeram com que caíssem em descrédito a confiança do Brasil e dos investidores estrangeiros. É uma inversão de valores que tentam fazer. Lava Jato simplesmente está abrindo essa caixa de pandora e mostrando como tem acontecido as coisas. O país vai se tornar mais sério e a corrupção que nunca vai acabar, é uma questão humana ser falível e corruptível, mas reduzir a patamares tolerantes e civilizados como em países mais desenvolvidos. Na situação atual que é algo sistemático em que aquele que não aceita se corromper é apenas um no meio da multidão. Queremos o contrário que os corrompidos sejam menores.
Se o senhor pudesse dar um recado para o gestor público que nesse momento está se corrompendo ou pensando em se corromper. Qual seria?
Primeiro que como ser humano reflita nas consequência para a sociedade e para seus irmãos. E isso pode refletir na própria família. Se acontece um acidente e meu filho é levado para um hospital público de urgência e se falta médico e ele vem a falecer por conta disso, quer queira ou não, isso vai ser consequência de um ato lá atrás de corrupção que aconteceu na aplicação das verbas da saúde. Primeiramente neste ponto como ser humano na consequência de seus atos. E segundo, diria para ter cuidado porque os órgãos estão mais entrosados, mais unidos no sentido de trocar conhecimento, informação e de forma mais eficiente combater a corrupção. Acredito que esses canais de fiscalização aumentaram e estão mais eficientes e está mais difícil desviar dinheiro público. Alguns que estejam nesse caminho errado refletem e largam. Outros continuam porque parece que está no DNA o desejo de subtrair e sempre está se dando bem. Então digo que parem porque os que continuarem, nós continuamos também no sentido de fiscalizar e frear. O Ministério público trabalha para dificultar o crime. Vai ser cada vez mais difícil para os corruptos no Brasil. O combate nunca esteve tão eficiente.
fonte /cidadeverde.com