Sem fiscalização, medidas contra corrupção não terão efeito prático
Especialistas ouvidos por O DIA elogiaram o anúncio do pacote lançado pela presidente Dilma, mas ressaltaram que somente ele não resolve
Lançado na última quarta- feira em meio a um clima de escândalos envolvendo desvio de recursos públicos na principal empresa brasileira, a Petrobras, o pacote anticorrupção apresentado pela presidente Dilma Rousseff (PT) foi bem recebido por entidades e instituições que atuam no combate à corrupção. Porém, houve reclamações na demora do lançamento das medidas e também na forma como será feita aplicabilidade do pacote.
O advogado da União no Piauí, Marcos Luiz Silva, foi um dos que acredita que as medidas só terão efeito prático caso o Governo Federal dê estrutura aos órgãos fiscalizadores para que possam atuar. “O aumento no rigor das leis sempre é bemvindo. Porém, somente a mudança das penas não é suficiente. O Governo precisa dar aos órgãos estrutura e independência para que possam atuar”, opina o advogado.
Marcos Luiz ressalta que a falta de estrutura dos órgãos de fiscalização e combate à corrupção é de conhecimento do Governo Federal. “A situação é tão grave que o ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, ao pedir demissão do cargo no final do ano passado, criticou a situação de penúria da CGU”, lembra o advogado.
Em dezembro, ao se afastar do cargo, Hage reclamou que o corte no orçamento comprometeu o pagamento de despesas básicas, como água, luz e telefone, além de diárias e passagens aos auditores encarregados de fiscalizar a aplicação dos recursos federais no país. Isso, para ele, poderia dificultar a identificação de eventuais irregularidades na administração pública.
A CGU é o órgão do governo responsável pelo controle interno e pela aplicação correta dos recursos públicos em contratos federais. Ou seja, combate a corrupção. Mas no ano passado sofreu uma redução de R$ 7,3 milhões no orçamento.
“Essa situação é lamentável, porque os órgãos que combatem a corrupção, como a GCU, AGU, Polícia Federal, entre outros, precisam de estrutura e recursos para poderem atuar. Como é que um auditor vai poder viajar para algum lugar sem diária?”, questiona o advogado.
Marcos Luiz reclama que a AGU do Piauí não tem, por exemplo, uma assessoria para que possa ajudar nas investigações e descoberta de fraudes. “Essas operações criminosas são de uma complexidade muito grande. Para se descobrir as irregularidades, é preciso uma grande engenharia de investigação e isso requer profissionais, estrutura e tecnologia”, diz.
Seis pontos têm que passar pelo Congresso
Para ter ação prática, seis das sete medidas do pacote anticorrupção precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional para entrar em vigor. A única medida que inicia imediatamente é a que regula a lei Anticorrupção - que foi sancionada 19 meses atrás, mas que ainda não havia sido regulamentada.
O Governo não deverá ter problemas na tramitação, no Congresso, da regulamentação da lei anticorrupção, que é aguardada há mais de um ano. Mas é provável que a criminalização do caixa 2 tenha dificuldade de passar, por ser uma regra que mexerá com a forma de financiamento de campanha dos políticos, e são justamente eles que vão ter de votar.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que também será criado um grupo de trabalho para buscar propostas visando acelerar processos criminais ligados à corrupção.
Na última terça-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também apresentou a Dilma propostas de combate à corrupção, algumas semelhantes às anunciadas pela presidente.
MPF também lança sugestões contra corrupção
Três dias após o Governo anunciar o pacote anticorrupção, o Ministério Público Federal apresentou na última sexta- feira, em Brasília, dez medidas para aprimorar a prevenção e o combate à corrupção e à impunidade. O lançamento foi feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelos coordenadores da Câmara de Combate à Corrupção do MPF, Nicolao Dino, da Câmara Criminal do MPF, José Bonifácio Andrada, e pelo coordenador da Força- Tarefa Lava Jato do MPF no Paraná, Deltan Dallagnol.
As propostas começaram a ser desenvolvidas pela Força-Tarefa Lava Jato em outubro de 2014 e foram analisadas pela Procuradoria-Geral da República em comissões de trabalho criadas em 21 de janeiro deste ano. As medidas buscam evitar o desvio de recursos públicos e garantir mais transparência, celeridade e eficiência ao trabalho do Ministério Público brasileiro com reflexo no Poder Judiciário.
As medidas buscam, entre outros resultados, agilizar a tramitação das ações de improbidade administrativa e das ações criminais; instituir o teste de integridade para agentes públicos; criminalizar o enriquecimento ilícito; aumentar as penas para corrupção de altos valores; responsabilizar partidos políticos e criminalizar a prática do caixa 2; revisar o sistema recursal e as hipóteses de cabimento de habeas corpus; alterar o sistema de prescrição; instituir outras ferramentas para recuperação do dinheiro desviado.
OAB enfatiza que medidas devem sair do discurso e avançar
O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sigifroi Moreno, torce para que o pacote anticorrupção do Governo Federal tenha sucesso, mas frisa que as medidas precisam ser efetivadas de fato e não apenas ficar apenas no discurso.
Sigifroi lembra que muitas medidas não são novidades e há tempos estão em discussão na sociedade, na OAB e no Congresso Nacional, mas não vão adiante por falta de interesse político. “A Lei Anticorrupção de 2013 nunca foi regulamentada pelo Governo Federal, por exemplo. Caso houvesse interesse político, isso já teria sido feito”, comenta.
A Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em agosto de 2013, responsabiliza administrativa e civilmente empresas que cometem crimes contra a administração pública e prevê novas punições.
A lei prevê punição, em outras esferas além da judicial, de empresas que corrompam agentes públicos, fraudem licitações e contratos ou dificultem atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos, entre outros ilícitos.
Outras medidas que já estavam em discussão no Congresso Nacional são a tipificação do caixa 2 em crime, a perda de propriedade e de posse de bens, alienação antecipada de bens apreendidos, exigência de ficha limpa para quem ocupar cargo em comissão, tipificação de enriquecimento ilícito de servidores.