Quem chega ao comércio dos Fontenele em Parnaíba, logo percebe o clima de comoção e medo que toma de conta dos membros da família. Eles que, nos últimos meses, passaram por momentos de muita tensão. Localizado numa área de grande movimento, o negócio não é mais o mesmo, devido a uma série de fatos que transformou o lugar no centro de um conflito que envolve acusação de agiotagem, posse indevida de imóvel e o falecimento do patriarca da família.
A família atribui a Valdeci Cavalcante, conhecido advogado e presidente do sistema Fecomércio do estado do Piauí, a responsabilidade pela situação.
Francisco de Assis Ferreira Fontenele, conhecido como Seu Assis, possuía um estabelecimento comercial em Parnaíba, mas devido a problemas financeiros e débitos com o Banco do Nordeste, procurou Valdeci Cavalcante, que era seu padrinho e amigo da família há vários anos, para pedir conselho sobre o que deveria fazer, como já havia acontecido em outras ocasiões. O comércio tinha outros três sócios, seus dois filhos, Suellen e Júnior, e a esposa, Maria de Lourdes.
A proposta feita por Valdeci, e acatada por Seu Assis como única solução, acabou virando um verdadeiro pesadelo para a família, que hoje corre o risco de perder a fonte de renda. Para piorar, após tanta pressão por causa dos problemas, Seu Assis morreu no mês passado vítima de um infarto fulminante.
O COMEÇO DO PESADELO
O portal foi até Parnaíba e conversou com Suellen Fontenele, filha do Seu Assis e quem hoje está à frente da situação. Ainda muito abalada, afirma que o seu pai e Valdeci sempre tiveram uma boa relação. "O Dr. Valdeci Cavalcante era padrinho do meu pai. Existia uma relação de confiança e amizade entre os dois. Ele prestava assessoria jurídica para a empresa e emprestava dinheiro para o meu pai. A empresa começou a passar por dificuldades e o Dr. Valdeci, em virtude de prestar assessoria jurídica, disse para o meu pai, que era o sócio administrador, para passar os imóveis para o nome dele e uma simulação de venda seria feita”, disse.
Segundo Suellem, a ideia era retirar um imóvel da hipoteca e o valor de R$ 367.801,13 seria depositado por Valdeci, através do empréstimo. Além deste imóvel, outros dois foram transferidos para a Cavalcante Gestão Imobiliária LTDA. “Pela relação de confiança meu pai aceitou e confiou. Valdeci tirou a hipoteca do Banco do Nordeste, que estava em mais de R$ 300 mil e depositou, prometendo devolver a posse dos imóveis. Só que a partir deste momento, ele passou a pressionar. Apesar de apenas um imóvel estar na hipoteca, ele passou outros imóveis para o seu nome”, afirmou.
COMO FUNCIONA A AGIOTAGEM
A prática consiste no empréstimo de dinheiro fora do mercado de crédito legítimo, sem autorização do Banco Central, a taxas de juro ilegalmente elevadas e, sem as devidas autorizações legais para isso. A agiotagem, usura ou cobrança de ágio superior à taxa oficial de câmbio são consideradas crimes contra a economia popular previstos na Lei nº na Lei nº 1.521/1951.
Os agiotas geralmente são procurados por pessoas que não têm crédito ou estão excessivamente endividadas. Precisamente por se tratarem muitas vezes de situações desesperadas, em que não há alternativa no mercado de crédito legal, os agiotas praticam normalmente, juros proibitivos.
Os agiotas atuam geralmente com um contrato verbal, no qual o tomador do empréstimo é submetido a prazo de pagamento e taxas de juros fora do padrão de mercado. Podem também mascarar a operação com outras transações, que tenham como garantia a venda simulada de um bem móvel como um carro ou bem imóvel, como uma casa, apartamento ou terreno. Outros usam o sistema de empréstimo de dinheiro em troca de cheque pré-datado.
Como os agiotas têm algumas dificuldades legais em recorrerem à Justiça em caso de inadimplência, muitas vezes usam métodos coercitivos pouco amigáveis ou mesmo perigosos para recuperar o seu dinheiro.
É justamente isso que a família Fontenele alega ter acontecido. Os imóveis ficaram como garantia e vários cheques pré-datados teriam sido assinados para Valdeci Cavalcante, onde muitos ainda estão em suas mãos.
Parte dos cheques que família teve que preencher vários cheques como garantia
O ESQUEMA DE AGIOTAGEM
Suellen afirma que há provas suficientes para comprovar a agiotagem. "Existem cheques nominais a ele, que inclusive estão no processo, além de depósitos diretamente na conta dele. Existem pessoas que ele mandava pegar dinheiro no comércio e às vezes ele mesmo vinha pegar o dinheiro. Toda esta ação de agiotagem não começou só de 2012, mas veio antes disto. Ele cobrava juros altíssimos, acima do mercado, que chegou a um ponto que meu pai estava trabalhando apenas para pagar os juros do Dr. Valdeci, deste serviço de agiotagem. A empresa entrou nessa complicação financeira porque todo lucro era apenas para pagar o dinheiro emprestado", revela.
Esse é apenas um dos comprovantes de depósitos na conta de Valdeci Cavalcante. São dezenas deles
IMÓVEIS ESTÃO AVALIADOS EM R$ 3 MILHÕES
"Acho que ele começou a fazer isso porque viu que os imóveis valiam muito, ele não tinha noção que estes imóveis valiam muito dinheiro. Ele cresceu os olhos em cima deste prédio, da localização. Um patrimônio avaliado em mais de R$ 3 milhões. A ganância foi maior e ele foi para cima querendo. Ele resolveu adentrar nestes imóveis para ter a posse, porque isso ele nunca teve. Foi passado o título para ele, mas há mais de 23 anos temos a posse de todos estes imóveis. Vivemos aqui, toda a cidade de Parnaíba sabe, sempre estivemos aqui. Sempre estivemos na posse destes imóveis, por isso que começou a invadir, porque nunca teve a posse", afirmou.
VENDA SERIA NULA
Segundo Suellen, apenas o Seu Assis assinou a venda simulada, mas por se tratar de uma empresa com quatro sócios, era necessário o consentimento e assinatura de todos. "A empresa tinha quatro sócios na época dessa venda simulada, que era meu pai, eu, minha mãe e meu irmão. Cada um tinha capital social de 25%. O Seu Assis não poderia vender os imóveis sozinho, pois os outros sócios precisavam assinar, mas só ele assinou, por isso há nulidade nesta venda. Esta venda nunca ocorreu, foi apenas para garantir esses serviços de agiotagem, que o Dr. Valdeci prestou", disse.
Venda simulada foi registrada em cartório
USO DA FORÇA PARA OBTER IMÓVEIS
Segundo a família, sempre buscaram o diálogo com Valdeci Cavalcante para obterem solução da situação, mas sempre o diálogo foi negado, pois o advogado estava focado em ter a posse dos imóveis. Esta semana, a família recebeu um comunicado de um funcionário de Valdeci que afirmava que iria murar o terreno.
Um boletim de ocorrência foi feito para evitar que a ameaça fosse consumada, mas no dia seguinte, às 6h da manhã, um caminhão chegou com materiais de construções, acompanhado de pedreiros e seguranças, que derrubaram um portão e começaram a construir um muro. O advogado da família, Mauro Monção, chegou a conversar e pediu que eles parassem, pois a questão estava resolvida pela justiça. Quando a reportagem do portal esteve no local, constatou a presença dos pedreiros e seguranças, que afirmaram estar lá a mando de Valdeci.
Pedreiros e seguranças confirmaram que foram enviados a mando de Valdeci Cavalcante
"Nós tentamos de várias formas fazer acordo com ele. O que a gente pagou já de juros, esse montante de juros, já ultrapassa o valor de todo esse dinheiro que ele emprestou nesse serviço de agiotagem. Ele começou a pressionar, dizendo que queria o dinheiro. Ligava, pressionava e chegou a chamar meu pai de bandido. Ele chegou a vir no comércio aos gritos, ameaçando, dizendo que queria o dinheiro. Tentamos várias propostas de acordo, chamamos para conversar, negociar. Queríamos pagar, queríamos saber o valor, mas ele tinha uma fórmula mágica de calcular os juros que eram sem fim. Ameaçou de nos colocar fora do imóvel, afirmando que tudo era dele. Fizemos uma reunião e em nenhum momento ele queria entrar em acordo, apenas que ia construir esse muro no terreno. Derrubaram a estrutura que já tinha e contrataram segurança para ficar e na porta”, declara Suellen.
IMÓVEIS EM QUESTÃO
Localizados no bairro São Francisco, dois prédios, um de três andares e outro de dois, um deles anexada à casa da família, além de um terreno, foram repassados para a empresa de Valdeci Cavalcante. Segundo uma avaliação feita por profissionais da área os imóveis são avaliados em mais de R$ 2 milhões, mas segunda a venda simulada para Valdeci, foram vendidos a R$ 118 mil, um valor ínfimo.
FAMÍLIA FRAGILIZADA
Segundo Suellen, a família está despedaçada com a situação. “Não conseguimos mais dormir, não temos paz nem descanso. Temos a posse, a casa já está no judiciário, só queremos uma decisão do juiz, o que ele falar, a gente acata, mas não adianta ele vir e usar de força tentando pressionar. Devido essas pressões meu pai já faleceu, minha mãe vive chorando e nervosa. Eu não tenho mais condições psicológicas de enfrentar este problema e meu irmão está com depressão, tomando remédio controlado, uma situação muito difícil", diz.
"Vivemos deste imóvel. Nos alimentamos deste trabalho e com essas ameaças, não vamos ter mais um meio de sobreviver. Ninguém consegue mais trabalhar, devido a morte do nosso pai e as ameaças. Ninguém consegue mais dormir, vivemos num clima de tensão, todo mundo nervoso. Ele manda recado, diz que vai invadir, que isso tudo é dele e ninguém consegue mais trabalhar, se alimentar e nem dormir, pressionado com essa situação. Já basta a morte do mau pai, devido essas pressões, agora está mais complicado. Queremos uma solução, não estamos nos escondendo. Mas na pressão ninguém resolve nada. Queremos que o poder judiciário dê uma solução para este caso", pede Suellen.
Processo aberto pela família
FILHA FAZ APELO À JUSTIÇA
"Queremos sentar com ele e conversar com ele, onde poderá fazer a proposta, tudo amigavelmente, juntamente com o judiciário e fazer uma proposta e ver o valor que já pagamos. Não aguentamos mais viver com esta pressão, queremos negociar, queremos um acordo. Meu pai já morreu, que era tudo na minha vida, que era a pessoa que eu mais amava. Meu pai morreu há menos de um mês e ele já vem com as ameaças. Eu estou vendo logo eu perder a minha mãe, pressionada, ou meu irmão, que já está com depressão. Eu estou vendo minha família acabar se não ocorrer este acordo, se ele não parar com estas pressões. Ninguém vive deste jeito. Queremos um acordo, de acordo com a lei. Queremos ter paz para resolver isso de acordo com a justiça. O que o juiz acatar, nós vamos aceitar no acordo. É muita humilhação, isso não é preciso”, conclui Suellen.
VALDECI JÁ PROCUROU SEUS MEIOS
Muito influente, Valdeci Cavalcante já esteve com o secretário de Segurança do estado, Fábio Abreu, e com o delegado geral, Riedel Batista, onde apresentou o documento que comprova ter a posse e que o assunto já está sendo resolvido. A família que já havia entrado com um pedido de antecipação de tutela cautelar, que foi negado, continua a buscar na justiça uma solução para o problema.
fonte 180graus.com