Dizer que Serra da Capivara está ameaçado é estratégia, diz superintendente
Em entrevista a ODIA, o novo superintendente do Iphan, professor Fábio Lustosa Ferreira, fala sobre a proteção ao patrimônio histórico do PI.
A Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Piauí ganhou um novo gestor. O professor Fábio Lustosa Ferreira assumiu há menos de duas semanas o cargo de superintendente após uma indicação da deputada federal Iracema Portela (PP). O gestor é graduado em Ciências Sociais e Filosofia, tem especialização em Arqueologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestrado em Educação e Meio Ambiente e iniciou Doutorado em Sociedade e Meio Ambiente na Universidade de Laval, no Canadá.
Foto: Jailson Soares/O DIA
Fábio recebeu a equipe do O DIA para falar das metas a frente ao órgão e comentar a atuação do Iphan no Piauí. À reportagem, ele destacou que a imagem que se tem do órgão ainda é distorcida por muitas pessoas. “O que eu vejo é que há certo desconhecimento da maioria da população sobre as atribuições do Iphan”, diz ele. Fábio Lustosa rebate as críticas de que o órgão atrapalha e garante que é, sim, possível se fazer obras em áreas tombadas, desde que se respeite os padrões arquitetônicos. Para ele, é importante que a conservação do patrimônio seja feita como um indutor econômico e turístico das cidades, a exemplo do que já acontece em outros Estados e até mesmo seguindo o exemplo de Parnaíba.
Confira a entrevista:
O senhor assumiu agora a Superintendência do Iphan no Piauí. Quais as ações que planeja desempenhar?
O Iphan já vinha desenvolvendo uma série de ações, sobretudo naquelas áreas de maior relevância, onde aquelas situações de patrimônio, arqueologia, casario, parte histórica. Temos uma atividade em Parnaíba, que é uma cidade muito importante para o Estado, para o Nordeste, atuamos também em São Raimundo Nonato, em parceria com a Fundação Museu do Homem Americano. Temos ações em Piracuruca, Oeiras, Amarante, Teresina, Campo Maior, que é referência, estive em Brasília, porque teremos uma atuação naquela região do Canion do Alto Poty. Enfim, o Iphan tem uma ação bem diversificada nos últimos 10 anos. Antes éramos voltados mais para cuidar, zelar, não deixar que esse patrimônio fosse degradado. O Iphan foi criado em 1937 com esse propósito, sobretudo ao patrimônio edificado.
Recentemente, tivemos uma polêmica envolvendo a derrubada de prédios históricos no centro de Teresina para dar lugar a estacionamentos. Houve uma mobilização e a derrubada foi interrompida. Como fazer para evitar esse tipo de ação e preservar a memória histórica e arquitetônica da cidade?
O Iphan tem o acompanhamento desse espaço central de Teresina, como marco zero, a Praça da Bandeira, Igreja São Benedito, que é tombada, uma série de monumentos que são de responsabilidade do Iphan, sobretudo sobre a preservação dos centros históricos. No caso de Teresina é uma cidade que recebe uma pressão maior por conta da dinâmica e transformações urbanas, por conta do automóvel. Porque está sendo derrubado? Por conta do inchaço da indústria automobilística e isso é no país inteiro. Então, essas questões, temos os técnicos que ficam acompanhando, temos as ações de sensibilização, de repressão, de controle, de embargo, que é lançado mão apenas em última instância. A nossa recomendação é que as pessoas que possuem um patrimônio histórico constituído procure o Iphan como um parceiro e não naquele momento em que o prédio já esteja sendo transformado, descaracterizado. Em Parnaíba, tem uma vocação enorme para o desenvolvimento do turismo, então, pousadas que eram casarões antigos no centro histórico, estão sendo restaurados. Agora, recentemente, o Sesc Senac fez uma reforma, obedecendo todos os padrões técnicos de restauração para que o antigo Cacheral de Parnaíba , que era uma escola com referência histórica de formação. É esse é o sentido que se pretende dar.
Há recursos para isso? Há muitos prédios históricos que pertencem a particulares, muitos que não conhecem a importância da arquitetura histórica e pretendem vender, derrubar para dar lugar a uma arquitetura mais moderna, mas se veem impedidos por conta do tombamento. Muitos reclamam que não recebem recursos na manutenção dos mesmos conservando a arquitetura histórica. Como o senhor vê isso?
Mas não é competência do Iphan colocar recursos em imóvel privado. O Iphan zela para que esse patrimônio seja conservado. Agora, aquele imóvel pode ser adaptado. O que eu vejo é que há certo desconhecimento da maioria da população sobre as atribuições do Iphan. Exemplo, você tem um imóvel em uma área que é tombada, mas existe um leque de opções para você usar seu imóvel, mantendo a fachada, as características. Só se conserva aquilo que tem vida. Todo imóvel que ficou fechado ele vai virar uma ruina. Você tem clínicas que são instaladas em área tombada. Em Parnaíba, na área central se tem clínica, escritórios de advocacia e eles obedecem esse padrão de restauração, de novo uso. Se pode fazer as adaptações, obedecendo as questões de tombamento. Se criou na mentalidade das pessoas uma questão impeditiva e não é assim. Existe um leque de possibilidade para você otimizar o seu imóvel tombado e isso é uma coisa que queremos dar visibilidade para que a imagem do Iphan não seja aquela de que o Iphan atrapalha, o Iphan impede, não faz nada. Esse não é nosso viés.
Em outros Estados há uma cultura muito grande em relação a preservação desses patrimônios históricos, como em Minas Gerais, Salvador, São Luís. Inclusive nesses Estados o turismo histórico é bem forte por conta desses aspectos históricos conservados. Há recursos disponíveis no Governo Federal para que as prefeituras, os empresários possam buscar e revitalizar o nosso histórico para que ele também possa ser um indutor do turismo?
Você tem acompanhado essa obra do parque da Cidadania? Aquele é um programa bem sucedido dessa parceria. As três instâncias de poder estão presente nesse parque, com parceria. Isso que temos que replicar: esse modelo positivo de parceria porque quem ganha é a sociedade que vai ter um grande parque, um incentivo ao lazer de qualidade. O centro das cidades existem um certo abandono por parte do Estado, enquanto instituição. Em São Luís, tivemos o projeto Reviver, onde se pegou o centro histórico que era cheio de prostíbulos, decadente e transformou, tem pousada, artesanato, padaria de francês, uma série de projetos e ações de inserção econômica. Tudo isso só funciona se tiver um substrato econômico. Não adianta eu botar para ficar bonitinha a fachada e, daqui a dois anos começa a se degradar. É importante que esses espaços sejam dinâmicos, sejam econômicos, para que possam gerar benefícios para a sociedade.
O senhor falou do Parque da Cidadania. O projeto inicial era um e, por ser uma área tombada, teve que ser modificado e isso acabou atrasando o andamento das obras. Há muitas críticas, inclusive da população, dessa interferência do Iphan no andamento dessas obras?
Quando assumi, estive lá no Parque com a pessoa que acompanha o Parque, que é um arquiteto renomado, Olavo Pereira da Silva. Muitas vezes o que acontece é que o poder municipal tem o recurso que tem que ser rapidamente aplicado, sob pena de ser devolvido. Muitas vezes essas ações não são concatenadas com as ações do arquiteto. O que nós estamos procurando aqui é que o arquiteto fique, todo tempo, junto com o pessoal que está na linha de frente executando, para que não execute de forma equivocada e que tenham que refazer. É complexo isso. Existem problemas que são estruturais da gestão pública, não é a Prefeitura, não é o Iphan, é uma engrenagem. Nós somos um país de uma burocracia Ibérica, que é a mais atrasada da Europa e isso dificulta muitas coisas.
Como o senhor pretende fazer essa articulação para poder fazer essa sensibilização?
Procurando esse pessoal. Estamos recebendo o pessoal de Parnaíba, por exemplo. Já recebemos o pessoal da Serra da Capivara, Oeiras.
No Piauí, temos o Parque Nacional Serra da Capivara que foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco (1991) e tombado pelo Iphan (1993). No entanto, por falta de investimentos, o Parque é alvo constante de ameaças de fechamento. O que pode ser feito para evitar que esse espaço, que abriga os registros mais antigos do homem americano, não se perca?
O parque da Serra da Capivara é uma situação única no Brasil e uma referência de Parque na América do Sul. É considerado, pelas avaliações especializadas, como o melhor parque implantado na América do Sul. Isso significa que a Dr. Niede tem um ritmo muito além do funcionamento da máquina que garante o funcionamento para ela. Como ela tem atividades com a França, Itália, com outras instituições internacionais, ela acelera as atividades dela. Agora mesmo tem um recurso que será disponibilizado para ela, de R$400 mil que já está acertado. Estive em Brasília nesta quinta e esse recurso já está garantido, agora tem aquela série de exigências e é aquilo que eu falei da burocracia.
São recursos para que?
Ela já recebeu um recurso equivalente a esse. É um recurso previsto porque o Parque é um Patrimônio Cultural da Humanidade, tombado pela Unesco. Então, o Iphan, como integrante de um país signatário de todas as convenções internacionais, tem em parceria com outros ministérios, como o Ministério do Meio Ambiente, Educação, Univale. È um leque de instituições que também fazem parceria com a Niede. Ela montou aquilo e conheço aquilo desde 1976, conheço o parque antes de ser parque, que só passou a ser parque em 1979. Então, já conheço essa dinâmica dela. Quando ela diz: “Ah, o parque está ameaçado de ser fechado”, é também uma estratégia de pressão. Há quantos anos ela diz isso? Já fechou? Não! Então ela é uma grande gestora, de uma capacidade muito grande de trabalhar e ela tem esse ritmo. O ritmo que ela precisa é diferente. Ela tem uma infraestrutura de laboratório, de equipes internacionais que precisa disso realmente e às vezes o recurso que demora a chegar leva a um ponto de estrangulamento aí ela recorre à imprensa.
Estuda algum outro tombamento de algum patrimônio no Piauí?
Tem algumas demandas pontuais. O Iphan atua em educação patrimonial, já temos em São Raimundo Nonato a quarta turma de um mestrado de educação patrimonial. Ficamos com a atribuição do registro imaterial, como a cajuína, por exemplo. Temos um pedido de registro tambor de crioula, por exemplo, quilombolas. Temos um programa grande da Floresta Fóssil, que já é tombada porque já é paleontológico, mas como aquilo tem um significado, um simbolismo para a capital. Temos técnico que está acompanhando a atividade de implantação do parque, junto com o poder público municipal.
A cajuína foi declarada patrimônio piauiense. O que isso representa para o Estado? Que benefícios isso traz?
Na verdade esse registro não é um tombamento. Um registro faz com que se associe a identidade cultural com maior ganho, se faz um fortalecimento da identidade cultural de uma sociedade, como o queijo suíço, o vinho do Porto. A cajuína sendo reconhecido como o bem imaterial, assim como a capoeira, a panela de barro. Isso é muito dinâmico porque a cultura é dinâmica. A função do Iphan é essa: zelar pela cultura, seja ela material ou imaterial.
E a estação Ferroviária. O que tem previsto para lá!?
Estação ferroviária é uma referência de edificação para Teresina. A ferrovia era o que levava Teresina para outro horizonte. Quando a Refesa foi extinta, todo esse patrimônio passou a ser do Iphan. Então, nós pretendemos que essa estação ferroviária venha a ser a sede do Iphan na capital. Em outras capitais isso já aconteceu. Parceria “A nossa recomendação é que as pessoas que possuem um patrimônio histórico constituído procure o Iphan como um parceiro” Novo superintendente do Iphan, Fábio Lustosa, diz que há muito desconhecimento sobre as funções do órgão São Raimundo “Quando ela [Niede Guidon] diz: “Ah, o parque {Serra da Capivara] está ameaçado de ser fechado”, é também uma estratégia de pressão.”