sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Ministro teria usado verba pública ao abastecer caminhões


Ministro teria usado verba pública ao abastecer caminhões

VEÍCULOS SÃO PARTICULARES. Como verba é da Câmara, caso é da alçada do MPF e PF

Nesses tempos em que uma operação da Polícia Federal, iniciada em um posto de gasolina localizado em Brasília, vem balançando a República, a chamada Lava Jato, todo cuidado é pouco. E o atual ministro da Saúde, o piauiense Marcelo Castro (PMDB), pode estar envolvido em um caso de uso indevido da cota parlamentar, quando deputado federal, justamente em abastecimentos feitos em um posto da Petrobras. Fato menor, mas grave, principalmente para quem hoje é um ministro de Estado.
portal, em meio à indicação, nomeação e posse do atual ministro da Saúde, passou a analisar - como grande parte da mídia do país fez - seu passado, suas atuações, seus posicionamentos, quem financiava suas campanhas eleitorais e, principalmente, seus gastos, os mais diversos.
Entre eles, os ressarcidos pela chamada cota parlamentar – cujos recursos são oriundos do dinheiro público que abastece os cofres da Câmara dos Deputados. Essa cota aglomera um leque de regalias que suas excelências possuem quando imbuídos de um mandato legislativo no Congresso Nacional.
Em meio a esses levantamentos, um detalhe chamou atenção. Os abastecimentos feitos quando do cargo de parlamentar, usando essa verba de caráter indenizatório, ocorriam em um posto de combustível da Petrobras, localizado na Avenida Nações Unidas, próximo ao Centro Administrativo do estado, no bairro Vermelha, zona Sul da capital, a 8 km do seu escritório político, localizado no Jóquei Clube, zona Leste, conforme o endereço constante das notas emitidas pelo posto. Portanto, em território diverso da região do entorno do escritório político, onde num raio de 2km, qualquer cidadão se depara com inúmeros postos de combustível. Um, inclusive, fica ao lado do tal endereço, o que evitaria o desperdício de verbas públicas com deslocamentos maiores.
E no lugar onde o gabinete de apoio do hoje ministro abastecia os carros usados para fins e atividades relacionadas ao mandato parlamentar, se constatou que também era onde pelo menos dois caminhões apontados como que sendo do político, eram abastecidos. A dúvida que surgia era se os abastecimentos desses caminhões, voltados para a atividade agropecuária - uma das atribuições de Castro - eram inclusos dentro dos gastos apresentados à Câmara dos Deputados para ressarcimento com o dinheiro público, através da cota a que tinha direito.
Marcelo Castro tomou posse nesta semana como novo ministro da Saúde de DilmaMarcelo Castro tomou posse nesta semana como novo ministro da Saúde de Dilma
O INÍCIO
A relação de Marcelo Castro com esse posto da Petrobras teve início em janeiro de 2012, no meio do mandato parlamentar anterior, e teria sido por indicação do antigo fornecedor de combustível para os carros do peemedebista, que estaria arrendando o antigo posto de gasolina, o Marexal, localizado na Avenida Marechal Castelo Branco, próximo às margens do Rio Poti. Os abastecimentos eram sistemáticos, mês após mês. Somente em algumas poucas ocasiões, as notas, ou melhor, uma nota única, o DANFE – Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica, deixou de ser entregue à Câmara Federal. A regra, portanto, era de entrega mensal, para que o então deputado pudesse ressarcir, dentro do limite de gastos com combustível, o dinheiro empregado de forma antecipada na compra.
O posto em que os veículos de Marcelo Castro eram abastecidosO posto em que os veículos de Marcelo Castro eram abastecidos
A média de consumo ao mês realizada por Marcelo Castro girava em torno de R$ 4,5 mil. Para se descobrir esses documentos, o portal usou os dados disponíveis ao cidadão no Portal da Transparência da Câmara dos Deputados. Lá, em meio à prestação de contas, há uma nota comum, espécie de recibo, e o DANFE, atestando o consumo mensal.
O Posto Carvalho tinha a prática de vender o combustível para o gabinete do peemedebista sem o recebimento imediato. Somente depois, uma pessoa próxima a Castro, conhecida por ‘Dona Alzira’, se dirigia ao posto e pegava o documento final com os abastecimentos do mês para serem apresentados à Câmara dos Deputados.
Esse procedimento é praxe em muitos gabinetes parlamentares no Congresso Nacional, desde que os gastos sejam compatíveis com a atividade exercida pelo parlamentar, tendo que ter necessariamente correlação com o seu mandato. A cota parlamentar foi instituída pelo Ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de número 43, no ano de 2009. Ele dita que todo deputado tem até noventa dias para apresentar os comprovantes dos gastos para ter seu dinheiro restituído. O limite atual do gasto com a cota que engloba combustível é de R$ 6 mil mensais, inacumulável.
O antigo posto em que os veículos de Marcelo Castro eram abastecidosO antigo posto em que os veículos de Marcelo Castro eram abastecidos
DOCUMENTO APRESENTADO NA CÂMARA NÃO TRAZ DADOS DETALHADOS
Diante das apurações jornalísticas surgiu a necessidade de se descobrir se o documento apresentado por Marcelo Castro na Casa legislativa, incluía os abastecimentos feitos nos caminhões de sua propriedade. Isso porque o valor incluso no DANFE era total, sem especificações. No máximo, o tipo de óleo usado e a informação se houve ou não o consumo de gasolina, com o número de litros adquiridos, valor unitário por litro, total do gasto com cada combustível e o somatório geral. Esses gastos, como a Câmara não tem um controle mais detalhado, passam facilmente no setor que analisa e aprova essas notas para autorizar a devolução do dinheiro.
Dessa forma, ficaria difícil de, à primeira vista, diferenciar os abastecimentos feitos nos veículos de forma individualizada. Se ao menos os cupons fiscais integrassem o rol de documentos apresentados à Câmara, poderia se dirimir todas as dúvidas que agora pairam na cabeça do contribuinte com facilidade. Isso porque, segundo apurou o portal, junto aos funcionários do posto, existiam abastecimentos com óleo diesel em caminhões com tanque cuja capacidade era de 250 litros. Nenhum carro, desses usados por políticos, possui tal capacidade em seus reservatórios.
Exposto aos fatos, o ministro emitiu uma nota. Segue primeiramente o e-mail encaminhado com o pedido de informações:
“(...) conforme contato prévio, por telefone, venho solicitar do ministro de Estado da Saúde, senhor Marcelo Castro (PMDB), justificativas para o abastecimento de pelo menos dois caminhões com a verba indenizatória da Câmara dos Deputados (a chamada cota parlamentar), enquanto deputado. A verba deve ser usada para a atividade parlamentar.
Após os abastecimentos mensais, as notas, em forma de DANFE, Documentos de Apoio à Nota Fiscal Eletrônica, eram, conforme apurações, apresentadas à Câmara dos Deputados para que o então parlamentar fosse ressarcido com verba pública.
Funcionários no posto confirmaram o abastecimento contumaz e sistemático desses caminhões, que seriam abastecidos com óleo S-10, o veículo mais novo; e S-500 o veículo mais antigo.
Um deles, inclusive, foi visto supostamente carregado com manga”.
MINISTRO DA SAÚDE NEGA USO IRREGULAR DA VERBA PÚBLICAEm resposta, o ministério enviou uma nota oficial. “O Ministério da Saúde esclarece que as despesas com combustível apresentadas pelo mandato do então deputado federal Marcelo Castro estão de acordo com a legislação da Câmara dos Deputados que trata da verba indenizatória. As notas fiscais apresentadas são referentes ao abastecimento de veículos locados para atender exclusivamente as atividades do mandato parlamentar no Piauí. Os valores estão dentro do limite de até R$ 6.000 por mês previsto pela regra (Inciso IX do Art. 2º do Ato da Mesa 43/2009). O abastecimento de veículos da atividade agropecuária possui contabilidade própria, separada, e não entram na prestação de contas à Câmara dos Deputados”, afirmaram.
O escritório de apoio político do então deputado Marcelo Castro, hoje ministro da Saúde.O escritório de apoio político do então deputado Marcelo Castro, hoje ministro da Saúde.
O ABASTECIMENTO DOS CAMINHÕES
Extraoficialmente, a pasta sustentava, em contato com o portal, que lhe pedia mais detalhes, que os gastos apresentados pelo político agropecuarista junto ao legislativo brasileiro eram “compatíveis” com os veículos que também constam como alugados pelo gabinete do parlamentar junto à Câmara dos Deputados, um Amarok e um Etios, e que o fato dos caminhões abastecerem na zona sul da cidade, no local onde também eram abastecidos os veículos que usavam combustível pago com a cota parlamentar, não passava somente de uma “coincidência”. E que coincidência. Os carros citados eram alugados na Luauto Rent a Car.
Quando desse contato, o portal já havia feito o levantamento das informações junto ao primeiro posto usado pelo deputado licenciado, aquele localizado na avenida Marechal, com bandeira Texaco, e já havia colhido informações preciosas junto ao Posto Carvalho. Nesse último, em duas visitas, feitas em dias sucessivos, já se tinha apurado, por exemplo, que existiam abastecimentos superiores a R$ 600,00 compatíveis com a capacidade do tanque dos caminhões.
Também já se sabia que seriam pelo menos dois veículos de porte grande, um “branco” e um “vermelho”. Os frentistas confirmaram que eles já chegaram a abastecê-los carregados com “manga” e “banana”. No posto, Marcelo Castro só apareceu uma única vez, pelo menos que se recordem, ainda na campanha, com uma “S-10”, ocasião em que abasteceu, mas fez o pagamento em “dinheiro”.
Esse mesmo carro foi visto, com o então parlamentar no banco do carona, no posto Marexal. O pagamento também teria ocorrido à vista. O portal também já havia sido informado que esses abastecimentos no posto da Petrobras eram feitos próximo aos finais de semana, ou no "sábado", o que sugerem, antecipavam longos deslocamentos.
180 ENCONTRA A RESPONSÁVEL PELOS DANFE’s
O certo é que depois da nota oficial do Ministério da Saúde, faltaria então um elo necessário para robustecer as suspeitas, embora a responsável pela confecção dos DANFE’s, de nome Isabel, já houvesse informado de forma tranquila, e até admirada com tantas perguntas, que o combustível dos caminhões eram sim contabilizados no documento final entregue à “Dona Alzira”. O que Isabel não sabia era que esses documentos estavam indo parar na Câmara dos Deputados, para que os valores fossem ressarcidos para o político. Nos DANFE’s constam os dados de Marcelo Castro.
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180: Ele está pagando com dinheiro da Câmara. Ele não está pagando com dinheiro dele. A senhora sabia que ele não está pagando com dinheiro dele?
Isabel: Não. Porque ele paga com cheque. E o cheque dele. (...) Ele faz [também] transferência. Mas aqui é no nome dele mesmo, aqui não é no nome da Câmara não.
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A funcionária não sabia, portanto, que é no nome do titular do gabinete que as notas devem ser emitidas para serem apresentadas e, após o ateste pelos técnicos da Câmara, serem autorizadas as restituições do valor correspondente em depósitos feitos na conta do parlamentar.
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180: Não vem nenhuma S-10 aqui abastecer?
Isabel: [Silêncio].
180: Mas vem caminhão?
Isabel: Vem.
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Os documentos apresentados à Casa legislativa também não possuem a placa dos veículos que estavam sendo abastecidos. A prática era de “dois abastecimentos por semana”. Mas nem sempre.
“TUDO ERA INCLUÍDO”
Numa terceira visita ao posto, após esse contato com o ministério, Isabel foi novamente procurada. Antes, porém, tentou-se falar com o dono do posto - em diversas ocasiões -, mas ele ou não estava, ou como, agora por último, estava “viajando”, segundo a funcionária. Isabel atua na parte administrativa do posto com bandeira da Petrobras. É responsável por acompanhar os pagamentos, tratar com os clientes e emitir os DANFE’s, quando solicitados. Sobre sua mesa, inúmeros cupons fiscais, em ordem, separados por clientes. Alguém assim, organizada, a ponto do dono viajar e deixá-la tomar de conta do negócio, é alguém que inspira confiança no que faz. O proprietário só voltaria de viagem, ainda segundo informações colhidas junto ao posto, no próximo dia 18. O que corrobora essa relação de confiança em Isabel.
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180: Isabel, quem fazia os DANFE’s para o então deputado, os documentos finais para entregar para ele?
Isabel: Você diz a nota fiscal?
180: É, a 'nota fiscal' grande...
Isabel: Sou eu.
180: E incluía todos os abastecimentos dele aqui?
Isabel: É. O abastecimento do mês.
180: Incluindo caminhão, incluindo carro pequeno?
Isabel: Isso.
180: Todos os abastecimentos do então deputado no mês, incluindo os caminhões?
Isabel: Isso. Lá na nota.
180: Não eram separados não?
Isabel: Você diz por carro?
180: Isso.
Isabel: Não, não, não...
180: Nem por tipo de veículo? Caminhão, uma nota; carro pequeno, uma outra nota?
Isabel: Na verdade, eu nunca fiz isso aí com nenhum cliente.
180: Você nunca fez isso [essa separação] com nenhum cliente?
Isabel: Não, não...
180: Então se abastecia aqui durante o mês e vinha alguém dele [Marcelo Castro] aqui?
Isabel: É...
180: Quem que vinha?
Isabel: Quem vinha pagar aqui é a Dona Alzira. Agora eu não sei o que é que ela é dele não, o que ela faz lá no gabinete...
180: Então Dona Alzira vinha aqui e pegava o DANFE dos abastecimentos?
Isabel: Isso.
180: Você lembra mais ou menos quanto davam os abastecimentos dos caminhões grandes?
Isabel: R$ 600,00 por abastecimento.
180: Você pegava essas notas de R$ 600,00, pegava essas notas grandes e incluía no DANFE?
Isabel: Eu somava tudo, aí dava R$ 5 mil, R$ 4 mil, R$ 3 mil... Eu somava tudo e botava na nota a quantidade.
180: Não ficava nenhum abastecimento durante o mês de fora?
Isabel: Não.
180: Nenhum abastecimento de caminhão ficou de fora dessas notas grandes [os DANFEs]?
Isabel: Não.
180: Você tem certeza disso?
Isabel: Eu queria receber o meu dinheiro. Eu iria deixar de fora por quê?
180: O costume era de pagar só no final do mês?
Isabel: Assim... era o do mês, ai vinham dia 1º, dia 2. Ai eu dependia dela [dona Alzira]. Eu tirava a nota fiscal do mês.
180: Mas não pagavam de imediato na hora do abastecimento?
Isabel: Não, não, não...
Um dos DANFES's: esse referente ao mês de maio deste ano, quando foram consumidos R$ 4.498,50 em Óleo Diesel S-10Um dos DANFES's: esse referente ao mês de maio deste ano, quando foram consumidos R$ 4.498,50 em Óleo Diesel S-10
A COBIÇADA PASTA
O ministro Marcelo Castro, que já chegou a ser um dos deputados mais votados do estado do Piauí, é também agropecuarista, além de médico psiquiatra. Hoje é um dos homens mais importantes no cenário atual do governo Dilma Rousseff, por conta da pasta que ocupa, dada ao PMDB, para aplacar a volúpia do partido em desestabilizar as estratégias do Palácio do Planalto. Só em termos orçamentários, o montante administrado pelo parlamentar licenciado, enquanto ministro, é no mínimo, 14 vezes maior do que o orçamento do Piauí. A área em que está atuando, é de expressiva importância em qualquer governo.
Portanto, para um gestor com esse porte e notoriedade, e que quando mal tinha assumido a pasta já defendia que um imposto, a CPMF, fosse cobrada de forma permanente e em dose dupla, “no crédito e no débito”, nada melhor - ainda mais no contexto político atual, onde a junção de termos como posto de gasolina, Petrobras e mau uso da verba pública têm devastado biografias de importantes políticos no País - do que explicar ao contribuinte como foi mesmo que esses valores, frutos de impostos que alimentam o Orçamento Geral da União, do qual parte é repassado à Câmara Federal, foi usado.
Isso de forma clara, antes que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal acordem para o fato.

fonte 180graus.com