quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Solidariedade é a melhor alternativa para deixar o trânsito mais seguro


Solidariedade é a melhor alternativa para deixar o trânsito mais seguro

No trânsito, alguns parecem esquecer que estão em um espaço de todos.

Buzinar desesperadamente quando se está em um engarrafamento, invadir a preferencial, fechar o cruzamento, parar na faixa de pedestres... No lugar da solidariedade, o egoísmo. Ao invés de ceder, impedir. Ajudar por quê? Se todos estão sempre com pressa? No trânsito, alguns parecem esquecer que estão em um espaço que teoricamente pertence a todos. Sim, apenas teoricamente, pois a lista de práticas intolerantes é extensa e contribui para tornar o tráfego mais difícil a cada dia.

Intolerância no trânsito contribui para tornar o tráfego mais difícil a cada dia
A explicação, segundo a psicóloga especialista em trânsito, Márcia Mattos, é a ausência de uma educação consciente. “Não falta informação. As pessoas sabem o que é permitido, quais são as infrações que cometem. Falta é solidariedade. Impera somente a vontade do indivíduo naquele momento”, destaca a psicóloga.
Para ela, tudo depende de um processo educativo e, por isso mesmo, só será possível resolver os problemas em longo prazo, com as experiências e o amadurecimento dos envolvidos. “Nosso dirigir revela a identidade da nossa personalidade. Se somos desatentos ou apressados, é assim que vamos agir no espaço público. O trânsito não é o gerador de problemas e de comportamentos, mas um instigador para quem já tem a tendência à intolerância”, explica a especialista.
Fotos: Jailson Soares/ODIA

Pedestres, cadeirantes, ciclistas e motociclistas têm direitos desrespeitados no trânsito
Nessa disputa, quem sofre são os mais vulneráveis. Crianças, idosos, cadeirantes, pedestres em geral, ciclistas, motociclistas perdem o direito a um trânsito seguro. Por outro lado, os motoristas de veículos automotores não podem ser considerados como vilões. Eles também são vítimas constantes da violência no trânsito e sofrem as consequências por esse espaço caótico.
Vulneráveis sobre duas rodas
Se o trânsito fosse realmente democrático, as pessoas que dependem de bicicleta ou moto como meio de transporte não precisariam se preocupar. No entanto, a realidade é oposta, com motoristas de automóveis, motociclistas e ciclistas mantendo um embate histórico. Apontar culpados, porém, não tem se mostrado a forma mais adequada para diminuir os números de acidentes; e se locomover sobre duas rodas permanece sendo um risco constante.
Segundo dados disponíveis no projeto Vida no Trânsito, em 2013 e 2014, 1.632 pessoas sofreram acidentes fatais ou graves quando usavam bicicleta ou moto como meio de transporte. Os números representam em média mais de uma vítima a cada doze horas, somente em Teresina. Ao todo, 183 pessoas morreram.

1.632 pessoas sofreram acidentes fatais ou graves quando usavam bicicleta ou moto
A morte quase foi o destino de Kelson Barros, 33 anos. Ele sofreu um acidente há sete meses, quando passava em frente à Expoapi, na BR-316. Era um dia chuvoso e o motociclista seguia em direção ao povoado Santa Teresa, na zona rural de Teresina. “Um homem de carro entrou na contramão, sem sinalizar. Se eu não estivesse de capacete, não contaria a história”, relembra Kelson.
O motociclista permaneceu 20 dias internado, perdeu uma perna e quase fica sem os movimentos do braço. Já o passageiro, um amigo de Kelson, ficou com mobilidade reduzida. O motorista do carro não sofreu ferimentos. “Ele ainda tentou fugir, mas não conseguiu porque as pessoas impediram”, conta a vítima.
Além das consequências físicas, Kelson não poderá desenvolver a mesma atividade profissional. Por enquanto, ele está afastado da empresa onde trabalhava como motorista. “Esse acidente vai me atrapalhar até o último dia da minha vida. Eu estou reaprendendo a andar e me preparando para colocar uma prótese. Sei que vou precisar me adaptar a outra profissão”, lamenta Kelson, que faz tratamento de reabilitação físico-motora no Centro Integrado de Reabilitação (Ceir).

Início da travessia da Ponte Metálica é um dos locais mais perigosos para ciclistas
Ainda mais vulneráveis do que os motociclistas são os ciclistas. Prova disso são os dados do projeto Vida no Trânsito. Eles revelam que 62,5% dos acidentes fatais com bicicleta, em 2013 e 2014, envolveram carros ou motos. Em relação aos acidentes graves, o percentual de envolvimento dos mesmos veículos em ocorrências com ciclistas sobe para 80%.
Um dos locais bastante perigosos para os ciclistas é o início da travessia da Ponte Metálica, que dá acesso à cidade de Timon. Além do grande fluxo de carros e motos, ainda existe a linha férrea. O risco é agravado porque a ciclovia, para quem vem do município maranhense a Teresina, não tem continuidade. O mesmo problema não acontece do outro lado da ponte, onde o espaço destinado aos ciclistas segue até a avenida Maranhão.

Ciclovia garante aos usuários a travessia segura entre as cidades de Teresina e Timon
Antonio Carvalho Silva usa a bicicleta como único meio de transporte diariamente. O percurso de 30 minutos de sua casa, em Timon, até chegar ao trabalho, na zona Leste de Teresina, é feito com insegurança. Ele considera que o trecho entre o final da Ponte Metálica até chegar ao Riverside é o mais perigoso, principalmente depois das 17h. “Os motoristas não respeitam. Alguns ficam com raiva, como se eu estivesse atrapalhando o trânsito”, conta o ciclista.
O sentimento de insegurança também é compartilhado por João de Deus dos Santos, que mora em Timon e trabalha à noite em uma padaria em Teresina. A avenida Frei Serafim, que não possui ciclovia e nem ciclofaixa, é a que ele considera a mais perigosa. “Eu prefiro pegar ruas menos movimentadas e seguir na contramão, porque pelo menos vejo se tiver algum motorista vindo pra cima de mim”, disse João de Deus.

O ciclista João de Deus usa a contramão para se proteger de acidentes
Para a psicóloga Márcia Mattos, a percepção dos ciclistas em relação ao desrespeito sofrido constante, está correta. “Os motoristas precisam entender que carros e motos são propriedades privadas, mas as ruas são públicas e as vidas têm que ser preservadas”, reflete a especialista.
Teresina conta atualmente com 41,8 km de ciclovias e ciclofaixas. Com a implantação do Plano Cicloviário que está sendo elaborado pela Prefeitura de Teresina, a previsão é de que esse número suba para 200 km. A proposta é fazer a integração das vias que possuem ciclovias e ciclofaixas, para que os ciclistas possam atravessar com segurança de uma zona a outra da cidade.
Crianças em risco
Mateus Felipe tinha quatro anos e achou que estava seguro ao atravessar a rua usando a faixa de pedestres. Na sua inocência de criança, ele desconhecia a falta de respeito às normas do trânsito. Descobriu tal realidade da pior forma possível, há nove anos, quando atravessava a rua em frente à escola.
Segundo a avó Fernanda Coelho Nóbrega Martins, o menino passava na faixa de pedestres com o avô e o outro irmão, e foi atropelado por uma F-1000. “Ele sabia que poderia passar por ali. O primeiro carro parou, mas o segundo não. A pancada foi na cabeça”, conta a avó.

Mateus Felipe foi atropelado por um carro quando atravessava na faixa de pedestres
Após dar entrada no hospital com risco de morte cerebral e ficar 67 dias internado, 42 deles em coma, Mateus Felipe se tornou outra pessoa. “Aos três anos ele sabia ler, falava bem e era considerado um gênio na escola”, lembra Fernanda.
O acidente infelizmente afetou a memória, a capacidade motora das pernas e dos braços e a aptidão para fazer cálculos. “Ele não guarda lembranças e não consegue somar quatro mais quatro”, disse a avó. Por outro lado, Mateus aflorou o lado musical e amoroso. “O médico disse que ele poderia desenvolver a agressividade ou a afetividade. Graças a Deus, foi o afeto que aumentou”, completa.
A família do menino não buscou por justiça porque não acredita que ela seja feita. “Lei nenhuma é capaz de punir o estrago que esse acidente causou na vida do Mateus e de toda a família. Faltou responsabilidade do motorista, mas foi uma fatalidade”, acredita Fernanda.

Fernanda Coelho vive somente para cuidar do neto, que ficou com sequelas após acidente
O caso de Mateus Felipe deu origem a um projeto de lei municipal que torna obrigatória a instalação de faixas elevatórias nas proximidades das escolas, de hospitais e de templos religiosos. De autoria do vereador Luiz Lobão (PMDB), o objetivo era reduzir os acidentes de trânsito com pedestres, principalmente crianças e idosos com dificuldade de locomoção. O projeto foi vetado no ano de 2011, pelo então prefeito Elmano Férrer (PTB), mas o vereador informou ao Portal que pretende reapresentar o projeto.
No Centro Municipal de Educação Infantil Maria José Arcoverde, no Dirceu I, o risco de uma fatalidade é iminente. Não há faixa de pedestres, redutor de velocidade ou semáforo perto da creche, que fica na esquina de uma rua estreita, em frente ao mercado do bairro. O local apresenta fluxo intenso de carros, motos e ônibus, com grande movimentação devido à existência de mais três escolas e do campus da Universidade Estadual do Piauí.
Fotos: Assis Fernandes/ODIA

Pais e responsáveis vão buscar crianças na CMEI Maria José Arcoverde, no Dirceu I
Na rua lateral à CMEI, em frente às outras escolas, existem faixas de pedestres apagadas, bem como quebra molas, que deveriam obrigar os condutores de veículos a reduzirem a velocidade. Mas não é isso que acontece.
Segundo a diretora da creche, Jane Francisca Medeira, algumas medidas foram tomadas para evitar que as crianças sejam atropeladas. “Nosso maior cuidado é para que elas não saiam correndo. Por isso, ficamos com os portões sempre fechados e só entregamos nas mãos dos responsáveis. Também pedimos aos pais que as deixem no portão, e não do outro lado da rua”, disse a diretora.

Crianças são expostas a riscos devido à falta de sinalização e à imprudência dos responsáveis
Tais cuidados são importantes, mas alguns responsáveis pelas crianças agem de forma imprudente. O Portal flagrou muitos deles indo buscar os pequenos, com idade entre três e seis anos, de moto. Alguns colocam mais de uma criança em cima do veículo, todos sem capacete.
Segundo os dados de atendimento do Samu, no mês de setembro, foram atendidas 13 crianças com idade entre três e onze anos, vítimas de acidentes de trânsito. Apenas quatro dessas ocorrências não envolveram motos. Duas vítimas foram atropeladas por carros, uma estava em um acidente entre dois carros e outra estava em um carro que se chocou contra um muro.

Em setembro, 13 crianças com idade entre três e onze anos foram atendidas pelo Samu
Os demais atendimentos envolveram acidentes de moto com carro e queda de moto, entre outros. Em um dos casos, ocorrido no dia 02/09, uma criança de quatro anos ficou ferida após um acidente com duas motos na avenida Joaquim Nelson, no Dirceu. Outra de três anos caiu da moto na localidade Boa Esperança, zona rural de Teresina, no dia 29/09. Outra da mesma idade se envolveu em um acidente de moto com animal na avenida Henry Wall de Carvalho, no dia 21/09.
Projeto de acessibilidade
As batalhas enfrentadas por pessoas com mobilidade reduzida são a prova maior de que o trânsito ainda não é de todos. Para completar um percurso curto entre sua casa a escola onde fez o 7º e o 8º ano, o cadeirante Francisco de Souza dos Santos tem muita dificuldade. O menino Luiz Gustavo também.
A rua Jornalista Antonio Diniz, onde fica a Escola Municipal Parque Itararé, no bairro Parque Ideal, tem um calçamento antigo e algumas pedras já começaram a se soltar. A calçada também não oferece as condições adequadas de acessibilidade.
Segundo Francisco, a situação se repete em vários outros lugares, como prova de que o desrespeito às necessidades das pessoas com deficiência vem de todos os lados. “A maior dificuldade que eu tenho é para entrar em estabelecimentos comerciais. Até quando tem a rampa de acesso, chega alguém e estaciona bem em cima”, reclama o cadeirante.
Diante dessa realidade, as professoras Ana Zélia Silva, Tania Virgínia Pereira e Samira Jaira da Silva decidiram desenvolver o projeto “Organizando o Trânsito na Rua da Escola”. O objetivo é conscientizar as crianças, evitar acidentes envolvendo os alunos e também conseguir - junto à Superintendência de Desenvolvimento Urbano da zona Sudeste - o afastamento da rua.
Ana Zélia conta que as sugestões partiram dos próprios alunos. “Eles fizeram atividades educativas com motoristas para melhorar o trânsito na frente da escola e também querem que a rua seja asfaltada por causa da acessibilidade dos colegas e dos moradores que têm deficiência”, conta a professora.
Atenção! Pedestre na via
A legislação determina que a prioridade no trânsito é sempre do pedestre, mas essa premissa está longe de ser adotada. A dificuldade para andar com segurança nas ruas começa pelos obstáculos nas calçadas, passando pela quantidade insuficiente de faixas de pedestres e o desrespeito dos condutores.
O projeto Vida no Trânsito revela que 53 pedestres morreram nos anos de 2013 e 2014 em Teresina. Os automóveis foram a outra parte envolvida em 50% desses acidentes e as motos estiveram em 30,8% dos casos. Ao todo, foram 197 pessoas vítimas de acidentes graves ou fatais na Capital.
Fotos: Jailson Soares/ODIA

197 pedestres foram vítimas de acidentes graves ou fatais na Capital
Dois dos locais mais perigosos para os pedestres, principalmente aqueles com mobilidade reduzida, são os cruzamentos da avenida Frei Serafim com a Pires de Castro e da Frei Serafim com a Coelho de Resende. Isso porque os semáforos nesses pontos têm apenas dois tempos, não permitindo a travessia segura em algumas ocasiões.
Em julho deste ano, um homem foi atropelado por um ônibus quando tentava atravessar da calçada do Banco Itaú para o passeio central da Frei Serafim. Em março do ano passado, no mesmo local, um idoso foi vítima de acidente e morreu no hospital. Ele também foi atropelado por um ônibus.

Cruzamento da avenida Frei Serafim com a avenida Pires de Castro
Nesse ponto do cruzamento com a avenida Pires de Castro, o sinal fecha para carros que estão no sentido leste-centro, mas abre para os veículos dobrarem na Frei Serafim ou seguirem em direção à zona Norte. O que sobra para o pedestre atravessar a via são apenas oito segundos.
De acordo com Bruno Pessoa, agente da Secretaria Municipal de Transportes e Trânsito, o tempo mínimo que o semáforo deve permanecer fechado para o pedestre atravessar em segurança são 30 segundos. “O ideal é que o sinal tenha três tempos, mas isso pode diminuir o fluxo do trânsito. No caso de um semáforo de dois tempos, o percurso de quem anda a pé e quer atravessar com segurança fica mais longo”, disse o agente.

Bruno Pessoa, agente da Strans, orienta pedestres para travessia segura
Ele alerta, no entanto, que a preferência é do pedestre. Não seguir essa norma é uma infração gravíssima. “O motorista tem que respeitar a faixa de retenção, se aproximar da faixa de pedestres diminuindo a velocidade, redobrar a atenção e sinalizar para o carro de trás - com toques de freio ou pisca alerta – a intenção de parar”, explica Bruno Pessoa, acrescentando que mesmo com o sinal verde, o motorista tem que esperar o pedestre concluir a travessia.
Por outro lado, quem anda a pé e vai atravessar uma rua sem semáforo, deve indicar com o braço a intenção de fazer a travessia, ter certeza de que foi visto pelo condutor e só depois que todos os carros pararem, começar o percurso na faixa de pedestres. 

fonte portal o dia