POR: EFRÉM RIBEIRO E CLEIDE CARVALHO
Em abril de 2013, quando a Região Nordeste atravessava a pior seca dos últimos 50 anos, a presidente Dilma Rousseff anunciou, durante a reunião do Conselho Deliberativo da Sudene, um novo pacote de medidas para mitigar os efeitos da estiagem, que, na ocasião, afetava 1.415 municípios. Entre elas, estava a perfuração de 21 poços profundos, de grande vazão, pela CPRM/Serviço Geológico do Brasil, em áreas escolhidas a dedo para fazer chegar água subterrânea de boa qualidade ao sertanejo — um projeto de R$ 40 milhões. Devido à urgência, pelo menos 17 obras de perfuração foram contratadas sem licitação. O Observatório da Seca, lançado no mesmo encontro, registra a conclusão de 21.
Engana-se, porém, quem pensa que os poços, cavados a profundidades acima de 400 metros, resolveram as dificuldades de muita gente: 14 seguem parados por falta de bombas, energia ou adutoras para levar a água a quem precisa. Na maioria dos casos, não há sequer previsão para o restante da obra. O problema é que o Ministério da Integração Nacional não se responsabiliza por todas as etapas. Só após o poço ficar pronto, começa a discussão do fornecimento de energia para que as bombas funcionem, o que deve ser feito pelas concessionárias de cada estado. A canalização é outra dificuldade: municípios com até 50 mil habitantes têm de buscar verbas na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para viabilizar adutoras e redes de abastecimento. Ou seja, o que era urgente no período da seca cai nos estraves de sempre da administração pública.
Em Apodi (RN), o poço está pronto desde junho de 2013, mas, sempre que a bomba é ligada, a energia cai cinco minutos depois. Os moradores seguem dependendo da água cara dos poços particulares, distribuída por carros-pipa.
— A água é mineral, de primeira, e vai beneficiar muita gente. Mas a chave é pequena, quando liga a bomba, ela cai. Na última vez que estiveram lá, trocaram e caiu de novo — diz o vereador Francisco de França Pinheiro.
Em São João do Canabrava (PI), o poço de 793 metros permanece fechado, cercado por mureta e arame. Além da população local, de 27 mil pessoas, ele abasteceria os municípios de Inhuma e São José do Piauí.
Há oito anos, a prefeitura de São João implantou o sistema de abastecimento de água. Os moradores do povoado de Estevão, onde o poço foi perfurado, têm em suas casas canos e torneiras. Porém, faltam água e energia elétrica. O lavrador José Sabino Tonheiro, de 62 anos, e sua mulher, Ecila, de 58, moram a poucos metros do poço perfurado pela CPRM, mas todas as manhãs saem de casa puxando um jumento, que, por sua vez, puxa uma carroça cheia de vasilhames de plástico. Caminham três quilômetros para pegar água num poço tradicional.
— Veja a nossa situação: temos poço, temos canos e temos torneira, mas não temos água. A água não chega porque o poço foi perfurado, mas a água não é distribuída — reclama Tonheiro.
— A gente pensava que a nossa vida iria melhorar quando perfurasse o poço. Já está com sete meses que ele foi concluído, mas não serve para nada. Nosso jumento já está cansado e para morrer de tanto puxar carroça. O poço está lá e não acontece nada — reclama Ecila.
O vereador José Gregório de Souza diz que o poço não funciona porque faltam os equipamentos para distribuir a água:
— O povo tinha expectativa porque as pessoas têm dificuldades de conseguir água. Todos achavam que o problema seria resolvido — diz.
Em Macururé (BA), o poço de 430 metros foi finalizado há seis meses, mas falta verba para construir a estação elevatória e os 20 quilômetros da adutora que levará a água. Também os poços dos municípios de Canudos e Euclides da Cunha dependerão, além de energia elétrica, de obras de canalização. Ainda não há previsão de término das obras complementares.
Em Quixeré (CE), só 150 famílias estão sendo beneficiadas, pois falta fazer o reservatório necessário para que a água chegue a um número maior de pessoas. Em Poço Verde (SE), a perfuração terminou há três meses , porém falta energia para ligar a bomba. A prefeitura reluta em repassar o poço para a empresa de água do estado, pois já é dessa empresa que ela compra cada carro-pipa de água, a R$ 160.
— O açude está sem água há três anos, e todo mundo sofre. O poço está lá, custou uma fortuna, não sei por que ainda não fizeram a ligação de energia para funcionar a bomba — diz Adauto Justino de Santana , secretário de Obras e Infraestrutura da prefeitura de Poço Verde.
Segundo Santana, a prefeitura esperava retirar a água de graça, mas recebeu um termo para transferir o poço para a empresa de saneamento do estado.
— Se for assim, vai ficar do mesmo jeito, no mesmo sofrimento, porque ninguém tem dinheiro para pagar o preço deles — diz Santana.
Em Araripe (CE), o poço ficou pronto e a água está sendo enviada para o município de Salitre, mas não pode ser usada para beber ou cozinhar. O secretário de Recursos Hídricos de Araripe, Jucélio Nunes, diz que a água tem sulfato, que causa diarreia, e precisa ser tratada — mas não há prazo para que isso ocorra. Araripe segue com carros-pipa e água do açude.
Em Baraúna (RN), o poço fica só a nove quilômetros da cidade. Ficou pronto em setembro passado e segue fechado. A situação é a mesma em Mirandiba (PE), onde o poço foi planejado para atender 40% da população.
— Só está cavado, o resto falta tudo. A gente não sabe quando vai usar essa água. É uma incerteza — diz José Carlos Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Baraúna.
Apenas um poço está pronto
Em Tucano (BA), Carlos Mello Filho, da Secretaria municipal de Agricultura, diz que o município é abençoado por água. Tem 72 poços públicos, fora os particulares. Mesmo assim, há povoados distantes 50 quilômetros do centro que são abastecidos por carros-pipa.
— Furar poço é fácil. O difícil é colocar energia, sucção e levar a água para as pessoas. Aqui tem muito poço furado e largado, lacrado. Temos povoados que recebem água salgada — diz.
O superintendente da CPRM no Piauí, Francisco Lages Correia Filho, confirmou que os quatro poços estratégicos perfurados no estado, por R$ 8 milhões, estão parados por falta de adutoras. Segundo ele, ainda é preciso que os órgãos federais façam a entrega ao governo do estado, que ficará responsável pelas obras adicionais: reservatórios, adutoras e caixas d'água. Ou seja, falta concluir a burocracia para que, só então, as outras obras possam ser feitas. O GLOBO só não conseguiu contato com duas cidades: Mata Grande (AL) e Areia Branca (RN). Dos 21 poços cavados às pressas, só o de Juazeiro do Norte (CE) está pronto. Segundo a prefeitura, ele está fechado porque choveu e o nível de água do açude subiu. Ou seja, se houver seca, já é possível usá-lo. O poço de Crato teve o fornecimento de energia resolvido na semana passada.
Ministério alega que há etapas a serem concluídas
O Ministério da Integração Nacional informou, em nota, que a implantação dos poços estratégicos está em curso e, só depois da perfuração, de acordo com o nível da água, será possível determinar o tipo de bomba a ser instalada e a tensão da rede elétrica necessária para seu funcionamento. Após concluídas essas etapas, os poços serão transferidos para estados e municípios. Para que isso ocorra, porém, será preciso antes estabelecer critérios de uso de água e a regularização da posse da terra onde o poço foi perfurado. Segundo a pasta, a transferência de 18 poços ainda está em andamento, em diversos estágios de negociação.
A dificuldade de fazer chegar água nas comunidades rurais da Região Nordeste é antiga. Os estudos que identificaram as águas subterrâneas no Nordeste, capazes de minimizar os efeitos da seca, foram feitos na década de 1970 pela Sudene. Dados do Sistema de Informações de Águas Subterrâneas, da CPRM - Serviço Geológico Brasileiro, mostram que o Nordeste tem 139. 979 poços — mas o número é subestimado, pois o registro ainda está em curso e é alto o volume de poços clandestinos.
Um estudo de Fernando Roberto de Oliveira, gerente de águas subterrâneas da Agência Nacional de Águas, estimou em 500 mil o número de poços no país. Boa parte deles está nas mãos de particulares. O município de Água Branca (AL), um dos contemplados com poço profundo da CPRM, tinha 19 pontos de abastecimento d’água em 2005; só nove eram comunitários. Quatro atendiam apenas seus proprietários, e outros seis estavam sem uso, abandonados ou apenas perfurados. Oliveira diz que a taxa de insucesso na abertura de poços no Nordeste é alta: ou não há vazão suficiente ou a água não é boa para consumo. Açudes e barragens, que garantem grande parte do abastecimento, sofrem com a falta de chuvas. O professor Arthur Mattos, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), diz que, a cada ano, só o calor faz baixar o nível dos reservatórios em três centímetros, por evaporação. Há ainda perda na qualidade da água, com acúmulo de nitrogênio e fósforo.
fonte meionorte.com