Estátuas e bustos de Teresina somem e levam parte da história
Busto de Getúlio Vargas sumiu pela segunda vez em 2013. Barão de Rio Branco também não voltou ao seu pedestal. Na zona Leste, A. Tito Filho não está mais lá
Na praça Arimathea Tito Filho, localizada na rua Manoel Nogueira Lima, Jóquei, em Teresina, poucos jovens descansam à sombra de bambus numa tarde abafada de terça-feira. Nenhum deles sabe o nome da praça em questão. Quase no centro do lugar, um suporte em forma de coluna denuncia que em algum tempo existiu ali uma placa de conteúdo qualquer. A. Tito Filho não está mais lá.
Entre os anos 1987 e 1992, A. Tito Filho publicou crônicas no jornal O Dia, que retratava o cotidiano da cidade de Teresina - são hoje fonte de estudo para muitos pesquisadores. Entre seus estudos, o intelectual catalogou monumentos, estátuas e bustos, publicando em livro em 1994. Mas é ele mesmo, hoje, um busto desaparecido da cidade.
Não é o primeiro caso de estátuas que somem da cidade, bem debaixo dos nossos olhos. Clesio Costa passava tão apressado pela avenida Frei Serafim numa tarde comum que nem percebeu a ausência do busto de Getúlio Vargas, desaparecido em 2013. “Passo aqui diariamente, mas nunca reparei que tinha sumido”, disse o estudante. “Ah, é, parece que saiu no jornal”.
Esculpido em cobre, o busto virou caso de polícia. A Prefeitura Municipal de Teresina registrou um boletim de ocorrência para investigar o roubo. A hipótese é de que tenha sido furtado e vendido em um mercado clandestino de metais. Aos cofres públicos, representações esculpidas e pintadas de personalidades custam em torno de três a cinco mil reais – e a maioria delas, é feita sob encomenda no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas, a venda da matéria-prima é calculada pelo quilograma do produto.
Escondido à sombra de oitizeiros, no cetro da cidade, está também uma haste solitária na Praça Rio Branco. O busto do Barão de Rio Branco foi retirado em 2008, no projeto de revitalização do centro. “Todos achavam que ele ia voltar restaurado, mas nunca aconteceu”, diz Larissa Andrade, bibliotecária da Academia Piauiense de Letras e pesquisadora de imagens que resguardam a história de monumentos e espaços da cidade.
Larissa começou fotografando tudo o que encontra em livros do acervo da APL e que remente ao passado cotidiano de Teresina. Em meio a praças, casas e passeios públicos, lá estão estátuas e monumentos no ano de suas inaugurações. “Fiz até algumas montagens comparando o antes e depois de algumas peças. A que mais sofreu mudanças foi a estátua de Dom Pedro II”, diz referindo-se ao busto localizado na praça de mesmo nome. Digitalizado, o material foi cedido para a página “Teresina, meu amor”, no facebook, com a qual Larissa colabora. A intenção é resgatar um pouco da história da cidade através de imagens.
No alto da praça, quase em frente a Central de Artesanato Mestre Dezinho, o último imperador do Brasil serve de descanso para pombos, mural de cartazes e ação de pichadores. Um apressado pode nem reconhecer tal rosto barbudo e de expressão sisuda - às vezes, mesmo exposta, a história pode ficar escondida.
JARDIM DA HISTÓRIA
A Central de Artesanato Mestre Dezinho, um antigo quartel militar no centro da cidade, é conhecida por abrigar o polo de arte santeira do Piauí, em geral, peças esculpidas em madeira. Mas são de cerâmica as personagens que compõem o entorno do jardim - figuras da música, da literatura e da história piauiense descansam em bancos e à sombra de árvores no estacionamento do local.
Ao todo são 18 esculturas totens, de nomes elencados pelo historiador Roberto Broder e produzidas por Charles do Delta, ambos parnaibanos. Segundo o turismólogo Carlos Oliveira, as peças são apenas pintadas para imitar cerâmica, mas têm corpo de resina em poliéster.
Quando foram implantadas, no início dos anos 1990, as estátuas traziam placas em alumínio com um resumo da biografia de seus personagens. Vítimas da ação do tempo, há cerca de três anos elas foram retiradas pela administração do local para um restauro. Torquato Neto, Da Costa e Silva e a escrava Esperança Garcia dividem espaço com outras figuras de histórias marcantes, que podem passar por anônimos ali, sem nenhuma identificação.
GUARDIÕES DO PASSADO
As estátuas, assim como os monumentos históricos, são símbolos que representam momentos marcantes na história política, social ou cultural de uma cidade. “Elas podem ter sido construídas atendendo a solicitações de políticos ou grupos sociais”, explica a arquiteta Kaki Afonso, doutora em Projetos Urbanos e professora do Mestrado em Patrimônio e Cultura da Universidade Federal do Piauí.
“Representam a memória coletiva de uma comunidade, de uma sociedade”, destaca a pesquisadora que defende a importância desses elementos na construção da paisagem urbana. “Servem de referências simbólicas”, explica. “Em cidades desenvolvidas em termos de patrimônio cultural, são devidamente preservadas e conservadas, protegidas de vandalismo, contendo dados em placas sinalizadoras que narram aos interessados o valor daquilo”.
De acordo com o o artigo 216 da Constituição brasileira, conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, artístico e paisagístico “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” devem ser protegidos e preservados pelo poder público, com a colaboração da comunidade, por meio de inventários, registros, vigilância e medidas como o tombamento.
Para a historiadora Viviane Pedrazani, que pesquisa sobre patrimônio cultural e políticas preservacionistas, as três esferas – federal, estadual e municipal – devem agir no intuito de preservar esses bens materiais. “Em nível municipal, as leis de zoneamento e código de postura também contribuem para a preservação”, pontua.
A reportagem entrou em contato com a gerência de Patrimônio Histórico Cultural da Fundação Municipal Cultural Monsenhor Chaves, que informou está apurando o sumiço dos bustos e o processo de restauração daqueles retirado das praças e locais públicos por alguma reforma estrutural. “A prefeitura tem responsabilidade pelas peças dispostas em praças e passeios. No caso das que foram retiradas para reforma, o ideal seria recoloca-las”, disse Airton Gomes, gerente. “Sempre fica esse impasse porque a lei coloca o responsável por vigiar e preservar, mas quando uma delas some ou é roubada, não diz quem deve pagar o prejuízo”.