sexta-feira, 10 de abril de 2015

Mirante do Lago, "do luxo ao lixo": Como alagou em tão pouco tempo


Mirante do Lago, "do luxo ao lixo": Como alagou em tão pouco tempo

Reportagem do portal revela como um condomínio que foi construído para suportar a pior chuva dos últimos 50 anos alagou.


O condomínio de casas Mirante do Lago, localizado às margens da BR-343, saída de Teresina é considerado um dos mais bonitos, confortáveis e caros da capital piauiense. Abriga a residência oficial do governador do estado Wellington Dias (PT) e virou notícia por toda esta quinta-feira por causa de um inesperado alagamento.
Inesperado porque está oficializado, em seu projeto de criação, que aquele terreno onde abriga o empreendimento passou por toda uma preparação. Foi um planejamento capaz de suportar a maior chuva dos últimos 50 anos em Teresina, por um período de até 24 horas. A reportagem doO Olho teve acesso a uma vasta documentação para explicar o que realmente fez com que as águas encobrissem o Mirante do Lago.
Mirante do Lago alagado (Foto: Whatsapp)
Na verdade são dois documentos. Um que diz respeito ao projeto básico, que trata do memorial descritivo, memorial de cálculo e desenhos (mapas) do empreendimento e é de fevereiro de 2006. O outro é justamente o projeto de drenagem, de maio de 2010. Foram feitos pela Fertaper Incorporações Imobiliárias, responsável por todo o projeto do condomínio Mirante do Lago. O projeto imobiliário, inédito na época, tem uma área de 10,81 hectares. Dos 107 lotes colocados a venda, hoje existem cerca de 100 casas construídas. Um lote atualmente chega a ser vendido por R$ 400 mil. Uma casa construída não sai por menos de R$ 1 milhão.
Além do governador, moram no condomínio de luxo outras personalidades bem conhecida dos piauienses, como a deputada estadual Flora Izabel e o procurador Kelston Lages. A casa de Wellington Dias, por exemplo, é uma das maiores. A área construída inclui dois lotes. Mas engana-se quem pensa que a sua “mansão” foi atingida pelo alagamento desta quinta-feira. Ficou concentrado na área frontal, lado esquerdo de quem entra no condomínio. E foi justamente isso que causou tanta polêmica: como um imóvel como esse alaga dessa maneira, com carros sendo levados pelas águas, salas das casas invadidas pelo barrento que vinha das correntezas? Para responder a essas perguntas, além da documentação que teve acesso, a equipe de jornalismo entrou em contato com o professor Carlos Correia Lima.
Imagem aérea mostra condomínio alagado em apenas um trecho (Foto: Drone O Olho)
FATOR EXTERNO
Considerado um dos maiores nomes da engenharia civil do Nordeste, ele é doutor na área de drenagem e dá aula na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Suas palestras estão entre as mais recomendadas pelo CREA-PI (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Piauí). Foi Carlos Correia Lima o engenheiro responsável pela obra do Mirante do Lago. Contratado pela Fertarper, ele fez um minucioso trabalho de verificação do que poderia ocorrer naquele terreno. Com os projetos e mapas em mãos, ele explicou que o que pode ter causado aquele alagamento todo dentro do Mirante do Lago não pode ter vindo de dentro do condomínio. Mas sim por fatores externos.
“As necessidades de detenção, infiltração e passagem para as aguas pluviais da área de contribuição em que está inserido o empreendimento, com intensidade máxima para durações desde 5 minutos até 24 horas de chuva de retorno de até 50 anos podem ser atendidas integralmente por duas áreas de acumulação. Uma, de 6.500 metros quadrados, localizada no terreno vizinho, a oeste do projeto, e a outra de 5.916 metros quadrados no empreendimento que também será utilizado como lago ornamental”, assinou o projeto de drenagem ainda na época. Resumindo: o Mirante do Lago estava preparado para suportar até mesmo a chuva mais forte dos últimos 50 anos e mesmo que caísse durante 24 horas ininterruptas. Esse terreno ao lado e esse lago, citados, serviam como “pulmões” do empreendimento. Ou seja: se chovesse a água seria filtrada por ali para evitar alagamento e depois escoaria pelos locais adequados, bueiros que cruzam a BR-343 e vão de encontro a uma espécie de talvegue, uma espécie de mini-riacho para escoar.
Água acumulou, alagou o Mirante do Lago e ainda destruiu parte da BR-343 (Foto: Drone O Olho) 
BUEIRO FICOU ENTUPIDO
Logo de cara, Carlos Correia Lima disse que provavelmente houve algo que interrompeu a passagem d’água que deveria ter escoado do condomínio. Acertou: técnicos que passaram a tarde consertando as falhas no trecho da pista da BR-343 em frente ao Mirante do Lago confirmaram que o bueiro ficou entupido. “Não posso afirmar 100%, mas provavelmente uma obra, um aterro no terreno ao lado do Mirante fez com que a água entrasse com muita força e caísse toda para dentro do Mirante do Lago, o que causou esse alagamento”, explicou. De fato: os técnicos que estiveram no local para fazer a limpeza tiveram de abrir um canal no meio da BR onde colocarão novos e maiores manilhas para servir como bueiro e aumentar a passagem d’água, para que isso não mais ocorra.
“Já teve casos de chuvas muito maiores que essa e mesmo assim não alagou dentro do Mirante do Lago. Por isso estranhei esse alagamento”, explicou. O que comprova a hipótese levantada pelo professor é que a pista BR-343 que se partiu e deixou o trecho interditado desmoronou justamente onde cai a água. As obras de recuperação tiveram início logo na quinta-feira. Devem durar cerca de uma semana até a recuperação da estrada. Os prejuízos por parte do condomínio serão pagos pelos próprios condôminos, incluindo os carros arrastados pela força das águas.
ESPECULAÇÕES: CULPA DO ALPHAVILLE?          
Ao longo de toda a quinta-feira, muito se especulou sobre os reais motivos do alagamento no Mirante do Lago. Chegaram a informar, principalmente via redes sociais como Facebook e Whatsapp, que fatores externos próximos ao Mirante do Lago causaram o problema. Carlos Correia Lima analisou cada um dos casos e não acredita que qualquer obra na região tenha sido causadora do alagamento. Chegaram a informar que o aterro feito pelo Alphaville e Terras Alphaville, que ganharam o direito de não pagarem uma IEA-RIMA, seria causador do acumulo de água na região. Depois disseram que poderia ser causado por conta da construção de um aterro feito próximo ao restaurante Frango Dourado, de propriedade de Abelardo Carvalho. Por fim também chegaram a informar que se devia ao alagamento num trecho próximo ao Soferro, onde estão construindo um shopping center.
“Não há possibilidade de esse problema se dever pelo que é de montante, isto é, de obras já feitas região e alteradas agora”, ressaltou Carlos Correia Lima. Mostrando no mapa, ele aponta que o projeto que ajudou a construir tem três áreas, sendo que a segunda era a do projeto e as demais deveriam ter esse “pulmão”. Somente na manhã desta quinta-feira o bueiro foi desobstruído. Engenheiros do Corpo de Bombeiros foram até o local e a chuva que cair vai escoar normalmente. “A partir do momento em que a água escoar normalmente por um canal, não vai mais alagar no Mirante do Lago. O pulmão que tinha e evitava esse alagamento de alguma maneira foi destruído e por isso a água veio de uma maneira muito forte e acumulou naquele espaço”, disse Carlos Correia Lima. A culpa, pelo visto, é de quem não fez a manutenção como deveria ser feita. Hoje a obra, apesar de ser em uma rodovia federal, está nas mãos do Governo do Estado, através do DER (Departamento de Estradas e Rodagens). Operários da Getel, empresa contratada para fazer inclusive a duplicação da BR, garantem entregar aquele trecho da BR-343, agora com os devidos bueiros, num prazo de até uma semana. 
Carlos Correia Lima: "Mirante foi construído para não alagar nem que chovesse 24 horas" (Foto: Allisson Paixão)

fonte portal o olho