Lagoa do Sítio: cidade dividida entre o mistério do assassinato da 1ª dama
A primeira dama não tinha inimigos. Era querida, respeitada. Família continua destroçada. Filhos estão com tios em Teresina e com acompanhamento psicológico
Não caiu a ficha. A gente ainda não acredita”. Foram as primeiras palavras do professor José Nilton de Sousa Filho, 42 anos, ao falar em frente ao túmulo da irmã, Gercineide de Sousa Monteiro Rabelo, 34 anos. Ela era a primeira-dama e secretária de Assistência Social de Lagoa do Sítio, Sertão do Piauí, e foi uma das últimas vítimas de feminicídio (assassinato de mulheres) no estado.
Gercineide foi encontrada morta na manhã do dia 10 de fevereiro em sua casa, no Centro de Lagoa do Sítio, com um tiro na cabeça. Inicialmente especulou-se que ela tinha morrido vítima de derrame. Tão logo policiais chegaram ao lugar constaram que a morte tinha sido por arma de fogo e disparada por alguém.
A Polícia Civil do Piauí diz ter desvendado o caso em menos de 24 horas, prendendo o esposo da vítima, o prefeito José de Arimatéas Rabelo, o Zé Simão (PT), e a empregada doméstica da residência, Noêmia Maria da Silva Barros. Eles teriam matado a primeira dama após a mesma descobrir que os acusados tinham um relacionamento amoroso. O caso já foi concluído e remetido à Justiça.
Mas muitos fatos ainda são cercados de mistérios, dúvidas e desconfianças.
A população da cidade divide-se em acreditar ou não no envolvimento do prefeito. A maior curiosidade é em saber os reais motivos da primeira-dama, tida como pessoa querida, sem inimigos e sem envolvimento em confusões, ter sido cruelmente morta. A principal linha de investigação é que foi vitimada por motivos passionais, mas uma parte teima em não acreditar no envolvimento do prefeito.
José Nilton divide seu dia em quatro funções: continuar coordenando a secretaria municipal de Educação (onde foi secretário municipal da pasta até o último dia de 2014), tratar de negócios de sua escola de idiomas em Valença do Piauí, saber notícias de seus dois sobrinhos órfãos, e procurar Justiça para o caso de sua irmã.
O professor, que é irmão mais velho de Gercineide Rabelo, recebeu a reportagem de O Olho no Centro de Lagoa do Sítio, depois foi visitar o túmulo da irmã, ato que faz praticamente todos os dias.
No cemitério falou como era a vida da primeira dama, como foi seus últimos dias e o fato de ainda não acreditar direito em tudo o que ocorreu. Durante a conversa de mais de uma hora mostrou-se choroso, mesmo estando sempre com óculos escuro.
Vestindo roupa preta e com voz marejada, intercalada com com soluços (por conta da emoção) falou do seu último encontro com a irmã e a alegria de, três dias antes do crime, mostrar seu novo apartamento, em Teresina. “Ela conheceu o apartamento na sexta. Domingo ela veio embora com o marido. Ela não relatou nada, nenhum atrito”. O professor só teve novas notícias da irmã quando ela estava morta.
Na cidade a movimentação é mais próxima aos prédios públicos, localizados todos na região central. Uma parte dos moradores evita comentar sobre o caso e emitir opiniões. Os poucos que falam dividem-se entre dizer que a Polícia Civil está totalmente certa ou em querer saber os motivos que levariam um casal tido como feliz acabar sendo protagonista do crime que mais chocou a população da cidade.
CRIME CONTINUA MEXENDO COM A CIDADE
Lagoa do Sítio é uma pequena cidade do Sertão do Piauí. Como praticamente todos os municípios do interior piauiense: tem menos de dez mil habitantes, sobrevive da agricultura de subsistência e do pagamento dos benefícios sociais do Governo Federal. As principais fontes de renda são o funcionalismo público (quase todo municipal) e os proventos de aposentados da Previdência Social.
Localizada a 252 quilômetros ao Sul de Teresina, com 5.022 habitantes (sendo 64,5% na zona rural e 35,5% na zona urbana). É um lugar tido como pacato. Só há uma única estrada asfaltada, a PI-469 (que liga a cidade até Valença do Piauí).
Sua tranquilidade é tão grande que moradores ficam a qualquer hora do dia e praticamente todas as horas da noite nas portas de casa. Visitantes são logo notados por conta da pouca movimentação de estranhos no lugar. Uma boa parte dos donos de motocicletas deixam os veículos na porta de casa com chave na ignição. Bicicletas ficam sem a mínima tranca.
Lagoa do Sítio, entre os seus menos de 30 anos de existência (antes pertencia à Valença do Piauí) foi testemunha apenas de raros crimes, às vezes com intervalos de anos de um para o outro.
Toda essa tranquilidade só foi quebrada no dia 10 de fevereiro deste ano.
Era uma terça-feira, um dia semi-nublado, quando a formanda em Serviço Social Gercineide de Sousa Monteiro Rabelo, 34 anos, foi encontrada morta em sua casa, na rua Mundico Félix (esquina com rua Mundico Ferreira), Centro de Lagoa do Sítio. Ela estava na cama de casal, deitada, no principal cômodo da casa.
Não era uma residência qualquer. Além de ser uma das casas mais visíveis de Lagoa do Sítio, é uma das maiores, mais bonitas, mais confortáveis e abrigava, nada mais nada menos, que o casal de mandatários do município.
Gercineide era a primeira-dama da cidade e entrou para as estatísticas de mais um feminicídio no Piauí. Um dos últimos antes dos esforços da Polícia Civil do estado (pressionado por movimentos de defesa da mulher) em criar setores de investigação especiais para esse tipo de ocorrência.
Gercineide Rabelo está enterrada no cemitério de Lagoa do Sítio, bem no Centro da cidade, há poucos metros do local em que trabalha seu irmão mais velho, José Nilton.
UMA FAMÍLIA DESTROÇADA
Gercineide era a filha mais nova do casal João Monteiro Filho, conhecido por Valdeci, e Raimunda Félix de Sousa Monteiro. Além dela há os irmãos José Nilton, 42 anos, atual líder da família, a dona de casa Gilvanete, 41 anos, o agente de endemias Gilvanildo, 36 anos, e a dona de casa Gilvaneide, 35 anos.
Dos irmãos, apenas Gilvanildo mora em Lagoa do Sítio. Com fotografias da irmã na mão, e por várias vezes com os olhos cheio de lágrimas, disse que não consegue esquecer o caso. “Não durmo direito. Acordo de madrugada, fico sem sono. A ficha não caiu. A gente acha que ela está em Teresina. Só sei que ela morreu porque a gente vai no cemitério”, comentou. “Eu ia sempre na casa dela. Ela gostava muito de minha filha”, complementou.
Gilvanildo diz que é complicado achar que foi o cunhado que matou sua irmã. “Conhecia ele demais. Não tenho certeza se foi ele. Vi ele chorando no dia do acontecido”.
José Nilton, o irmão mais velho, conta que o prefeito preso já mandou chamá-lo para uma conversa, para tentar explicar os fatos. Mas disse que, por enquanto não quer contato. Os dois são compadres, já que Nilton é padrinho do filho mais novo do prefeito. Além disso são correligionários do mesmo partido, o PT.
Givanildo mora há pouco menos de 300 metros do local em que ocorreu o assassinato. Ele foi um dos primeiros a chegar na casa da vítima. “Era muito sangue, então ela não tinha morrido de derrame. Estava embolada. Por isso desde o início sei que ela tinha sido morta”.
“Algumas pessoas jogavam indireta dizendo que foi a empregada. Nunca ouvi falar dessa história de caso”, completou Gilvanildo.
Mas o irmão conta alguns detalhes que podem ajudar a elucidar o crime. Ele diz que Gercineide estava incomodada com algumas insubordinações da empregada Noêmia chegando a procurar um advogado para ter mais informações de como dispensar a funcionária e pagar seus direitos trabalhistas. “No dia que ocorreu o crime ela ia demitir a empregada”.
“Não é porque ela morreu, mas todo mundo gostava dela, até os adversários políticos”. Gilvanildo disse saber mais informações do caso na imprensa e que a polícia passa poucos dados para a família.
Perguntado sobre o cunhado, Gilvanildo diz saber que muito em breve ele estará solto e finaliza destacando que o mundo se acaba para quem morre. Indagados sobre possível questão de revanche ou vingança os irmãos disseram que isso é totalmente descartado e entregam o caso à Deus.
PAIS DA PRIMEIRA DAMA FALAM PELA PRIMEIRA VEZ COM A IMPRENSA
Os pais da primeira-dama assassinada, os aposentados José Monteiro Filho, 70 anos, e Raimunda Félix de Sousa Monteiro, 63 anos, falaram pela primeira vez com a imprensa depois do acontecido.
Ainda muito abalados, com lágrimas nos olhos e tristeza visível, coincidem suas falas com as dos filhos, destacando que ainda não acreditam que Gercineide Monteiro foi assassinada.
Os pais da primeira-dama moram menos de cem metros da residência da acusada pelo crime, a doméstica Noêmia da Silva. A casa em que ocorreu o assassinato fica menos de 500 metros da residência de José Monteiro e Raimunda Monteiro.
“Estou arrasado, sofrendo muito. Ninguém esperava. Era uma menina novinha, cheia de vida. Não dá para saber o que aconteceu. Nem dá para acreditar direito que foi ele (o prefeito)”, falou, com ar de muita tristeza, o pai da primeira-dama. Ele foi um dos primeiros a chegar ao local do crime, pois tem um ponto comercial em frente à residência dos então mandatários de Lagoa do Sítio.
José Monteiro acredita que sua filha realmente foi assassinada e descarta que tenha sido por motivos políticos. “Ela não tinha queixa de ninguém e muito menos inimigos políticos”.
Raimunda Félix disse não acreditar que seu genro tenha assassinado sua filha. “Ele é uma pessoa boa, nunca agrediu ninguém. Ela não volta mais, mas entrego tudo para Deus”, disse ela, que é membro da Igreja Assembleia de Deus. “Minha filha não tinha intriga com ninguém. Tinha era um coração muito bom”, falou a mãe, que disse só estar mais conformada porque sabe que sua filha vai para o Céu.
Os pais de Gercineide também destacaram que a primeira-dama nunca tinha se queixado de agressões físicas ou ameaças por parte do prefeito. “Queremos é que descubram”, falaram quase que simultaneamente. “Nossos dias têm sido de tristeza”, finalizaram, quase que como uma ladainha.
FILHOS ESTÃO EM TERESINA COM TIA. PASSAM POR ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO. MAIS NOVO ACHA QUE O PAI ESTÁ EM BRASÍLIA
Os filhos da primeira dama assassinada e do prefeito de Lagoa do Sítio, acusado pelo crime, os garotos M.R.M.R, 12 anos, e M.K.M.R., oito anos, continuam morando com a tia Gilvaneide Monteiro, em um apartamento do conjunto Verde Que Te Quero Verde, na zona Sul de Teresina.
Há cinco anos as crianças moravam com a tia materna. Eles vieram para a capital a fim de ter uma educação de qualidade. Os dois meninos eram semanalmente visitados pelos pais, tidos por todas as pessoas ouvidas pelo portal como bons educadores e preocupados com o futuro dos filhos.
Depois que a mãe foi enterrada as crianças não mais pisaram em Lagoa do Sítio.
O tio José Nilton diz que eles eram o amor da vida do prefeito, hoje preso, e da primeira-dama, assassinada.
O assunto do crime e da prisão tem sido tratado com muita cautela pela família, principalmente para não traumatizar mais ainda as crianças. Os dois meninos estão em constante acompanhamento psicológico.
O filho mais velho compreendeu a gravidade dos fatos: assassinato da mãe e prisão do pai. O mais novo sabe que a mãe morreu e, ao perguntar pelo pai, foi informado pelos parentes que o mesmo está em compromissos em Brasília. O mais velho ainda não visitou o pai preso.
“A guarda dos filhos é um assunto delicado, a gente prefere esperar a Justiça, mas queremos ficar com as crianças, já que eles moram com minha irmã”, apelou José Nilton, tio paterno dos garotos.
PREFEITO CONTINUA PRESO
O prefeito de Lagoa do Sítio, José de Arimateas Rabelo, continua preso. A família prefere não dar mais detalhes sobre sua prisão e o local e que está encarcerado. Mas tenta, a todo custo, dizer, e provar, que ele é inocente.
A professora Maria de Fátima Barros Santos, 54 anos, recebeu a reportagem de do portal em sua residência, na cidade de Valença do Piauí (a 210 quilômetros ao Sul de Teresina).
Secretária de Finanças de Lagoa do Sítio até o último dia de 2014, relatou que Deus provará a inocência do irmão. Sua confiança em Deus está no fato de ser evangélica. Ela diz que depois do crime o irmão se converteu também.
“Também estamos sofrendo. Quem conhece ele sabe que não seria capaz de fazer isso”. A professora diz que a família está unida e que a polícia sabe que o irmão não tem histórico de violência. Ela complementa questionando porque a investigação do fato foi realizado tão rápido.
Maria de Fátima assume que o irmão, por uma vez, manteve relações sexuais uma vez, há dois anos, com a empregada, também acusada pelo crime. “Mas ele não tinha coragem de matar nem uma galinha”.
“Queremos que haja uma investigação justa”. A família do prefeito é que está responsável por contratar a defesa do mesmo. O gestor de Lagoa do Sítio é defendido pelo advogado Lucas Vila, conhecido por atuar no Caso Fernanda Lages.
A casa em que ocorreu o crime continua fechada e está sob responsabilidade da família do prefeito.
MARIDO DE ACUSADA VIVE DIAS DE VERGONHA
Se alguém já foi condenado pelo crime que vitimou Gercineide Monteiro, foi a própria vítima e, entre o mundo dos vivos, o funcionário da prefeitura de Lagoa do Sítio: Francisco Moura, que atua na cidade fazendo as vezes de oficial de Justiça.
Pacato, tido por vizinhos como boa pessoa, calado e muito caseiro, Moura é esposo da empregada doméstica Noêmia Silva, encarcerada em Teresina. Ela é acusada de participação na morte da primeira dama de Lagoa do Sítio.
Francisco Moura, desde o crime, pouco sai de casa. Ele vive mais trancado na residência ou vai para a casa de parentes na zona rural da cidade (alguns desses lugares distantes quase 40 quilômetros do Centro).
A vergonha de ter sua esposa acusada pelo crime e o suposto romance, ou caso amoroso, que manteria com o prefeito, foram o auge da vergonha e da condenação por parte de quase toda a população da cidade.
Francisco Moura e Noêmia Silva moram na primeira casa do Conjunto Portelinha, no Centro de Lagoa do Sítio. É uma residência simples, com um pequeno cercado. Ao fundo nota-se criação de aves. Na casa moram ainda o filho e a nora do casal, que também sumiram desde o acontecimento trágico que marcou Lagoa do Sítio.
“Foi uma surpresa para todos nós. Seu Francisco é gente muito boa, já ela (Noêmia) não falava com ninguém. O povo continua achando muito estranho tudo isso. O povo está julgando ele, coitado”, contou o aposentado José Auri Pereira de Sousa, vizinho do casal.
As dúvidas, comentários, especulações e ainda novas histórias que o caso traz só são suplantadas por uma única certeza, gravada no portal de entrada/saída da cidade: “É sair e querer voltar”. Gercineide não voltou, está enterrada no cemitério da cidade. Seu espírito aguarda justiça. Sua memória tenta continuar viva para não ser mais uma no histórico de feminicídios do Piauí, geralmente insolúveis por conta do machismo tão presente em nossa sociedade.