Maconha: Uso deve ser visto com reservas, diz neurologista
Estudos revelam que a erva, anteriormente vista apenas como alucinógeno, também pode contribuir em tratamentos médicos
Erva natural e alucinógena, a maconha, conhecida cientificamente como Cannabis Sativa, é consumida por diferentes culturas há milênios. Com o avanço das sociedades, a erva tem sido alvo de pesquisas sobre seus benefícios e malefícios, dividindo a opinião de especialistas. Em recente autorização, o canabidiol (CBD), uma das 400 substâncias que compõem a Cannabis, poderá ser prescrito a bebês, crianças e adolescentes que se encontrem em casos de epilepsia refratária, quando os medicamentos convencionais, registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não funcionarem mais.
A decisão para a liberação do uso da substância é de responsabilidade do Conselho Federal de Medicina (CFM), que permite prescrições médicas restritas a neurologistas, psiquiatras e neurocirurgiões. Esses profissionais são orientados a utilizar o canabidiol apenas a pacientes que não respondem a nenhum outro tipo de tratamento contra epilepsia e convulsões.
O uso da substância foi aprovado de forma restritiva. O canabidiol só pode ser importado com uma autorização especial concedida pela Anvisa, e é classificado como de uso proscrito. Os médicos devem efetuar um cadastro na plataforma online do Conselho e o paciente deverá assinar um termo em que reconheça outras possíveis opções de tratamento; no entanto, tenha escolhido, por consentimento livre, o uso do derivado da maconha.
Dessa forma, o CFM poderá monitorar o uso da substância e, também, avaliar os possíveis efeitos colaterais da medicação. Cabe aos médicos, a função de manter atualizado, a cada seis semanas, um relatório que deverá ser enviado ao Conselho.
O CFM também estipulou o uso da medicação, sendo de 2,5 mg até 25 mg por quilo (dosagem máxima), duas vezes ao dia. O uso do canabidiol continua restrito para outras doenças, como esquizofrenia e mal de parkinson.
Ainda neste mês de janeiro, a Anvisa discutirá a reclassificação do canabidiol. O previsto é que o derivado seja inserido na classe de medicamentos de controle especial, podendo ser comercializado com receita médica em duas vias. Atualmente, a classificação de uso proscrito deixa a substância classificada na mesma linha de substâncias como a própria maconha, heroína e cocaína.
Maconha
Do grupo das drogas ilícitas, estudos apontam que a maconha é a mais consumida em todo o mundo. Acredita-se que 3% da população mundial use a erva, o que corresponde a 128 milhões de pessoas. Os primeiros relatos de sua presença no Brasil datam do século XVIII para a produção de fibras.
Cientificamente, não é comprovado que a maconha gera dependência química; no entanto, também não existe consenso popular quanto à existência ou não do grau de vício que a erva pode gerar. Entre 400 substâncias que compõem a Cannabis, apenas duas têm comprovadamente efeitos terapêuticos: o tetrahidrocanabinol (THC), que tem efeitos comprovados no controle de dores, e o canabidiol.
O THC também é responsável pelos efeitos conhecidos da maconha, como a vermelhidão dos olhos e alteração na percepção do tempo.
“Uso do canabidiol deve ser visto com reservas”, avalia neurologista
Usado para alívio de crises epilépticas e algumas outras doenças de difícil tratamento que afetam o sistema nervoso central, o canabidiol tem se mostrado eficiente quando ministrado sob supervisão médica para o tratamento dessas enfermidades. No entanto, sua recente utilização na medicina e variedade de efeitos farmacológicos deixam em alerta médicos especialistas.
Para o neurologista Manoel Balduíno, a substância ainda deve ser analisada com precaução. “Você só pode ter segurança em um produto baseado, é claro, nas experiências de laboratório. Mas a grande vitrine para qualquer produto, em geral, é o tempo de uso na população. Muitas vezes, um produto colocado como a salvação para certas enfermidades, ao longo do tempo, pode não mostrar os efeitos desejados. O canabidiol é um produto extraído da maconha e, como toda droga que tem efeito psicotrópico, deve ser vista com algumas reservas”, explica.
O médico afirma que as epilepsias de difícil controle representam menos de 5% do panorama geral da doença e, em alguns casos, pode ter resposta com tratamento cirúrgico, mas, mesmo assim, posteriormente, tendo de ser acompanhada da ingestão de remédios controlados.
Manoel destaca a precaução com os possíveis efeitos ocasionados pelo medicamento derivado da maconha no organismo. “Ainda não podemos saber quais os resultados desse produto no sistema nervoso central e em nível de órgãos outros, como no fígado, com um tempo maior de utilização. O canabidiol é um experimento recente e não pode ser tratado como produto de sucesso”, defende o especialista.
O médico ressalta ainda que, assim como o canabidiol extraído da maconha que é uma erva natural, a indústria farmacêutica costuma se utilizar de produtos advindos da natureza, como é o caso de antibióticos, como a penicilina, criado a partir de um fungo. Porém, Manoel alerta quanto aos efeitos da maconha no sistema nervoso central.
“Quando a pessoa tem tendência a comportamento esquizotímico, a maconha pode causar esquizofrenia, inclusive com a alteração da senso- -percepção. Daí, a importância de analisar, com muito vigor e com muita preocupação, a iniciativa de usar essas drogas para uso corriqueiro”, finaliza.
Caso no Piauí
O uso do canabidiol segue sendo um procedimento restrito e excepcional. No Piauí, no último mês de novembro, a Defensoria Pública do Estado, por meio do Núcleo Especializado da Saúde conseguiu, após impetrar Mandado de Segurança junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, o fornecimento da medicação Hemp Oil RSHO - Cannabidiol CBD a um assistido menor de 2 anos, portador de paralisia cerebral, que necessita do medicamento para evitar as 42 convulsões semanais que tinha, provocadas pela sua condição de saúde. A decisão favorável foi concedida pelo desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, considerando a já demostrada eficácia da substância no controle dos sintomas e efeitos de doenças da criança assistida.