domingo, 7 de setembro de 2014

Pesquisadores reconhecem povoamento de mais de 20 mil anos no PI


Pesquisadores reconhecem povoamento de mais de 20 mil anos no PI

Material descoberto no Vale da Pedra Furada datam de até 24 mil atrás.

Revista “piaui” repercutiu em seu site uma matéria da revista britânica Antiquity, literatura acadêmica especializada em arqueologia, que traz opiniões de pesquisadores importantes a respeito dos estudos arqueológicos realizados pela equipe de Niède Guidon na Serra da Capivara.
A edição traz os últimos resultados do grupo de pesquisadores franco-brasileiros que relatam ter encontrado no Piauí indícios da presença humana com mais de 20 mil anos. Além disso, foram publicadas cinco avaliações de pesquisadores independentes, incluindo antigos opositores, que já haviam criticado e até duvidados das pesquisas feitas nos sítios arqueológicos piauienses.
O mais simbólico deles é o publicado pelo americano Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt. Em 1994, ele foi o autor da refutação mais veemente feita até então do material arqueológico da Serra da Capivara, mas agora admite que mudou de ideia após examinar o material descoberto no Vale da Pedra Furada, um sítio que ainda não havia sido explorado. Lá foram encontrados artefatos de quartzo e quartzito com datação de até 24 mil anos de idade que - na avaliação dos catorze pesquisadores vindos do Brasil, Chile, França e Espanha - foram produzidos pela ação humana.
Fotos: Bernardo Esteves

Catalogação e análise dos artefatos encontrados nos sítios arqueológicos
Tom Dillehay se diz mais convencido de que alguns desses artefatos foram feitos por humanos. “Os registros humanos mais antigos na América do Sul são mais diversos que os encontrados na América do Norte e devem ser examinados com padrões e expectativas mais flexíveis”, concluiu.
O francês Eric Boëda, que há alguns anos assumiu o lugar de Niède Guidon à frente da equipe de pesquisadores da Serra da Capivara, reconheceu a importância dessa declaração. “Dillehay havia assassinado o Boqueirão da Pedra Furada há vinte anos, então é muito importante que ele reconheça nossos resultados”, contou.
Os primeiros indícios da presença humana muito antiga no Piauí, descobertos no fim dos anos 1970 pela arqueóloga no sítio do Boqueirão da Pedra Furada, foram duramente criticados pelos colegas, assim como outros achados feitos ali desde então. 
Embora críticas ainda persistam, é crescente na comunidade a convicção de que de fato havia grupos humanos no Nordeste brasileiro bem antes do que se imaginava, embora ainda não haja um modelo de ocupação da América capaz de explicar como eles foram parar ali.
A hipótese mais aceita para o povoamento do continente é de os primeiros americanos entraram pelo Alasca vindos da Sibéria, em algum momento por volta de 16 mil anos atrás, o que contradiz a possibilidade de presença humana na América do Sul há mais de 20 mil anos, como Niède Guidon.
Para evitar que, mais uma vez, a origem humana dos artefatos fosse questionada, os pesquisadores que vieram ao Piauí redobraram o cuidado com as análises. Todos os fragmentos líticos encontrados na escavação que tivessem mais de 2 cm numa das dimensões foram catalogados e analisados. Outra novidade foi a análise funcional, que permite apontar o tipo de uso que se fez das ferramentas na pré-história. O exame indicou que alguns artefatos parecem ter sido usados para cortar materiais como carne, madeira ou couro. “Os resultados confirmam que os artefatos foram fabricados por humanos e usados por indivíduos em suas atividades cotidianas”, escreveram os autores.

Artefatos escavados no sítio arqueológico do Vale da Pedra Furada, na Serra da Capivara
Ao interpretar os resultados do trabalho, os autores afirmam que as Américas podem ter sido ocupadas por populações distintas em episódios dispersos no tempo e no espaço, sem que esses grupos tivessem contato significativo uns com os outros. “Precisamos aceitar que as Américas do Norte e do Sul foram ocupadas como resultado de eventos de migração sucessivos e irregulares. Apenas as ondas de migração mais marcantes permanecem visíveis no registro arqueológico. Ainda assim, a visibilidade desses eventos não deve ofuscar os demais”, dizem.
O americano James Feathers, especialista em datação defende que Niède Guidon e seus colegas merecem o benefício da dúvida, e mais pesquisas deveriam ser feitas para entender como os sítios de datação muito antiga na América do Sul evoluíram até chegar aos registros mais recentes e abundantes no resto do continente. “Se essa lacuna puder ser preenchida, isso poria esses sítios em contexto e a controvérsia em torno deles diminuiria”, disse James.
Mas os novos resultados da Serra da Capivara ainda não são unânimes na comunidade. Um dos cinco comentários publicados na Antiquity fez críticas duras ao trabalho da equipe de Boëda. Assinado por dois pesquisadores brasileiros – Adriana Schmidt Dias e Lucas Bueno, das universidades federais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, respectivamente –, o comentário alegou que onovo artigo trazia as mesmas falhas dos trabalhos anteriores do grupo. 
Para a dupla brasileira, faltam informações sobre a relação contextual entre as amostras datadas e os artefatos encontrados, bem como estudos específicos que permitam explicar as diferenças entre as distintas fases de ocupação dos sítios arqueológicos da Serra da Capivara.
Dias e Bueno também criticaram a equipe por não buscar entender as relações entre os grupos humanos que habitaram a Serra da Capivara e outras populações antigas encontradas em outras localidades do Brasil – a região de Lagoa Santa (MG), por exemplo, é rica em sítios arqueológicos com datação bastante recuada. 
Eric Boëda, por sua vez, disse que ele e o resto da equipe se surpreenderam com o tom do comentário de Dias e Bueno. Mas o programa de pesquisa que ele anuncia para o futuro próximo parece caminhar na direção sugerida por Dias. “Agora que deixamos para trás a etapa da prova, vamos passar a um tipo mais clássico de pré-história, e investigar de onde vieram esses grupos, quais eram suas atividades e as especificidades dos sítios”, garante o pesquisador.
Fonte: Revista Piauí
Edição: Nayara Felizardo