Pesquisadores reconhecem povoamento de mais de 20 mil anos no PI
Material descoberto no Vale da Pedra Furada datam de até 24 mil atrás.
A Revista “piaui” repercutiu em seu site uma matéria da revista britânica Antiquity, literatura acadêmica especializada em arqueologia, que traz opiniões de pesquisadores importantes a respeito dos estudos arqueológicos realizados pela equipe de Niède Guidon na Serra da Capivara.
A edição traz os últimos resultados do grupo de pesquisadores franco-brasileiros que relatam ter encontrado no Piauí indícios da presença humana com mais de 20 mil anos. Além disso, foram publicadas cinco avaliações de pesquisadores independentes, incluindo antigos opositores, que já haviam criticado e até duvidados das pesquisas feitas nos sítios arqueológicos piauienses.
O mais simbólico deles é o publicado pelo americano Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt. Em 1994, ele foi o autor da refutação mais veemente feita até então do material arqueológico da Serra da Capivara, mas agora admite que mudou de ideia após examinar o material descoberto no Vale da Pedra Furada, um sítio que ainda não havia sido explorado. Lá foram encontrados artefatos de quartzo e quartzito com datação de até 24 mil anos de idade que - na avaliação dos catorze pesquisadores vindos do Brasil, Chile, França e Espanha - foram produzidos pela ação humana.
Fotos: Bernardo Esteves
Catalogação e análise dos artefatos encontrados nos sítios arqueológicos
Tom Dillehay se diz mais convencido de que alguns desses artefatos foram feitos por humanos. “Os registros humanos mais antigos na América do Sul são mais diversos que os encontrados na América do Norte e devem ser examinados com padrões e expectativas mais flexíveis”, concluiu.
O francês Eric Boëda, que há alguns anos assumiu o lugar de Niède Guidon à frente da equipe de pesquisadores da Serra da Capivara, reconheceu a importância dessa declaração. “Dillehay havia assassinado o Boqueirão da Pedra Furada há vinte anos, então é muito importante que ele reconheça nossos resultados”, contou.
Os primeiros indícios da presença humana muito antiga no Piauí, descobertos no fim dos anos 1970 pela arqueóloga no sítio do Boqueirão da Pedra Furada, foram duramente criticados pelos colegas, assim como outros achados feitos ali desde então.
Para evitar que, mais uma vez, a origem humana dos artefatos fosse questionada, os pesquisadores que vieram ao Piauí redobraram o cuidado com as análises. Todos os fragmentos líticos encontrados na escavação que tivessem mais de 2 cm numa das dimensões foram catalogados e analisados. Outra novidade foi a análise funcional, que permite apontar o tipo de uso que se fez das ferramentas na pré-história. O exame indicou que alguns artefatos parecem ter sido usados para cortar materiais como carne, madeira ou couro. “Os resultados confirmam que os artefatos foram fabricados por humanos e usados por indivíduos em suas atividades cotidianas”, escreveram os autores.
Artefatos escavados no sítio arqueológico do Vale da Pedra Furada, na Serra da Capivara
O americano James Feathers, especialista em datação defende que Niède Guidon e seus colegas merecem o benefício da dúvida, e mais pesquisas deveriam ser feitas para entender como os sítios de datação muito antiga na América do Sul evoluíram até chegar aos registros mais recentes e abundantes no resto do continente. “Se essa lacuna puder ser preenchida, isso poria esses sítios em contexto e a controvérsia em torno deles diminuiria”, disse James.
Para a dupla brasileira, faltam informações sobre a relação contextual entre as amostras datadas e os artefatos encontrados, bem como estudos específicos que permitam explicar as diferenças entre as distintas fases de ocupação dos sítios arqueológicos da Serra da Capivara.
Dias e Bueno também criticaram a equipe por não buscar entender as relações entre os grupos humanos que habitaram a Serra da Capivara e outras populações antigas encontradas em outras localidades do Brasil – a região de Lagoa Santa (MG), por exemplo, é rica em sítios arqueológicos com datação bastante recuada.
Eric Boëda, por sua vez, disse que ele e o resto da equipe se surpreenderam com o tom do comentário de Dias e Bueno. Mas o programa de pesquisa que ele anuncia para o futuro próximo parece caminhar na direção sugerida por Dias. “Agora que deixamos para trás a etapa da prova, vamos passar a um tipo mais clássico de pré-história, e investigar de onde vieram esses grupos, quais eram suas atividades e as especificidades dos sítios”, garante o pesquisador.
Fonte: Revista PiauíEdição: Nayara Felizardo